Marcelo Fronza


A CULTURA HISTÓRICA RELATIVA À DITADURA MILITAR BRASILEIRA A PARTIR DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS


Introdução
Investigo como, a partir de um inventário das histórias em quadrinhos que abordam a ditadura militar brasileira de 1964-1985, esses artefatos culturais expressam uma esturatura de sentimento que permite compreender as dimensões estéticas, políticas e cognitivas da cultura histórica no Brasil. O trabalho é produzido a partir do grupo de professores historiadores que investigam, por meio do campo de pesquisa da Educação Histórica, a cognição histórica situada a partir da Epistemologia da História (SCHMIDT, 2009).

Busco compreender os processos históricos ligados à relação entre a interculturalidade e o novo humanismo (RÜSEN, 2014) e o princípio da “burdening history” proposto por Bodo von Borries (2016), que entendem que o fardo da história pode ser superado pela interpretação multiperspectivada instituída da controvérsia proporcionada pela autocrítica na teoria da história (FREITAS, 2017).

Neste texto pretendo construir uma tipologia a partir do inventário das narrativas históricas gráficas ficcionais que narram as experiências históricas relacionadas à ditadura militar brasileira. Nesta investigação optei por abordar somente histórias em quadrinhos ficcionais, pois tenho a intenção de verificar como as estruturas de sentimento (WILLIAMS, 2003) baseadas na cultura jovem e as formas de narrar e superar o sofrimento pela reconciliação histórica a partir da “burdening history” (BORRIES, 2016) se expressam em narrativas gráficas que se baseiam numa experiência vital esteticamente mobilizada em uma narrativa histórica (RÜSEN, 2016). Esta pesquisa tipológica serve como embasamento para o desenvolvimento de ferramentas de pesquisa que tem o inventário como critério metodológico, a fim de investigar as ideias históricas sobre ditadura militar brasileira presentes nas histórias em quadrinhos produzidas por jovens estudantes de escolas públicas brasileiras.

Narrativas históricas gráficas como possibilidades para a investigação das dimensões da cultura histórica brasileira
As histórias em quadrinhos que abordam a Ditadura Militar Brasileira de 1964-1985 permitem compreender as dimensões estéticas, políticas e cognitivas da cultura histórica no Brasil que expressa as estruturas de sentimento (WILLIAMS, 2003) que os sujeitos têm sobre aquela época.

Se entendermos que as histórias difíceis podem ser superadas pela interpretação multiperspectivada instituída pela controvérsia proporcionada pela autocrítica na teoria da história (FREITAS, 2017), podemos apreender que lidar com o fardo da história é um problema relativo às operações mentais da narrativa histórica.  Para Bodo von Borries (2016), existem formas de se lidar com histórias difíceis. Em suas investigações construiu uma tipologia das formas narrativas em que se apresentam os fardos da história: 1) histórias hostis em um modelo de vingança e “rivalidade de sangue” (inimizade herdada) vinculadas a estudos empíricos da cultura histórica (autobiografias, romances, entrevistas, narrativas históricas); 2) a história dos vencedores e da perda/esquecimento dos perdedores (cinismo do poder); 3) a história oculta e subalterna dos perdedores e a esperança por uma rememoração histórica (heroísmo da rememoração); 4) o abandono e esquecimento da história hostil devido à irrelevância para a vida prática (prioridade pela sobrevivência em momentos violentos). Essas histórias foram geradas pelo sofrimento e não permitem alcançar uma reconciliação histórica. Alcançar uma reconciliação entre antigos inimigos (vítimas e algozes) é uma experiência histórica de um movimento em direção uns em relação aos outros e na busca por continuar a seguir o mesmo caminho juntos. O caminho de tornar os humanos mais humanos (BORRIES, 2016, p. 32-33).

É possível desenvolver estratégias mentais de reconciliação histórica por meio das narrativas históricas, dentre elas as histórias em quadrinhos. Entre os primeiros passos dessa reconciliação está a necessidade de abolir as falsificações e os mitos tendenciosos, distanciando-se do passado de sofrimento e de rivalidade, sem, no entanto, esquecê-lo. Dentre os passos intermediários está o movimento de uns em direção aos outros buscando caminhar juntos  para construir as chances e condições para um futuro comum. Por fim, apostar em passos avançados de mutualidade, construindo histórias novas, plausíveis e compatíveis, mesmo que ao menos parcialmente comuns, desenvolvendo, com isso, o reconhecimento dos “outros” e a aceitação e internalização mútuas na própria história (BORRIES, 2016, p. 40-41).

Defendo que a categoria de estrutura de sentimento desenvolvida por Raymond Williams (2003) pode ser articulada com as formas de narrar o fardo da história e as estratégias mentais de reconciliação histórica investigadas por Bodo von Borries (2016) assim como com a categoria de cultura histórica proposta por Jörn Rüsen (2016). Isto porque as histórias em quadrinhos são artefatos da cultura histórica que expressam as estruturas de sentimento de uma comunidade relativa ao seu passado. A estrutura de sentimento pode ser descrita como uma cultura relacional, ou seja, a cultura comum vivida de uma época. É uma “estrutura” que “atua nas partes mais delicadas e menos tangíveis” da atividade humana. Os artefatos culturais como as histórias em quadrinhos são expressões dessa estrutura de sentimento porque incluem “enfoques e tons característicos da argumentação” pois são acessíveis à comunicação documentada de onde se extrai o “sentido vital real” na comunidade profunda que faz possível a comunicação (WILLIAMS, 2003, p. 57-60).

Com isso, ao investigar as narrativas históricas gráficas sobre a ditadura militar brasileira, os embates presentes na dimensão estética das histórias em quadrinhos podem revelar a estrutura narrativa na concepção básica de que alguém conta a alguém uma história sobre uma experiência do passado interpretada no presente e que cria expectativas de futuro.

Compreendo que as imagens não falam por si mesmas, pois são naturezas mortas mobilizadas pelas ideias históricas dos sujeitos. As histórias em quadrinhos buscam construir um ordenamento temporal do conteúdo a partir da estrutura básica da narrativa.  Creio que é importante ler qualquer narrative histórica gráfica a partir dos diálogos entre seus personagens, o autor e o público, pois ali são expressas as ideias que problematizam as carências da práxis vital. Portanto, é a estrutura narrativa e dialógica (BAKHTIN, 2000) que define as histórias em quadrinhos.

A tipologia das histórias em quadrinhos ficcionais sobre a ditadura militar brasileira
Nesta pesquisa encontrei dois tipos estruturais de narrativas históricas gráficas sobre a ditadura militar brasileira (1964-1985): a) as histórias em quadrinhos que despersonalizam as narrativas históricas sobre a ditadura militar brasileira a partir da perspectiva da transposição didática; b) Histórias em quadrinhos que personalizam as narrativas históricas sobre a ditadura militar brasileira a partir da perspectiva da teoria da consciência histórica que atesta uma geração de sentido histórico.

Histórias em quadrinhos que despersonalizam as narrativas históricas sobre a Ditadura Militar Brasileira (transposição didática)
Esse tipo de histórias em quadrinhos que despersonaliza as narrativas históricas a partir da transposição didática é caracterizado pela desvalorização dos sujeitos que atuam historicamente por meio uma narrativa anônima e generalizadora. A transposição didática se fundamenta epistemologicamente, conforme afirmação do matemático francês Yves Chevallard (2000), a partir da pedagogia dos objetivos e se estrutura em estratégias didáticas como a dessincretização, a despersonalização, a programabilidade e a publicidade do saber, além do controle social do conhecimento típicos dessa epistemologia. Esses requisitos estruturam o que Chevallard chama de sistema didático: a relação entre o saber acadêmico, o saber a ensinar, o saber ensinado e o saber a ser aprendido. Os sujeitos (professores e estudantes) não são o foco desta concepção, porque o que importa, de fato, é o funcionamento do sistema didático, que, em última análise, faz do professor, também, um sujeito passivo ao ser considerado um reprodutor dessa estrutura. A maioria dessas estratégias didáticas (dessincretização, a despersonalização e a publicidade do saber) é verificável nesse tipo despersonalizador de histórias em quadrinhos sobre a ditatuda militar brasleira. Em geral, essas narrativas aparecem na forma de materiais didáticos ou de divulgação histórica. A maneira como elas aparecem se apresentam no seguinte tipo: 1) histórias em quadrinhos didáticas como paradidáticos de História.

Histórias em quadrinhos didáticas como paradidáticos de História
Na história em quadrinhos chamada Pindorama: A outra história do Brasil composta por Lailson Cavalcanti (2004), no capítulo denominado Dura, Dura, Ditadura!, a história dos sujeitos que viveram a violência dos conflitos ocorridos nos tempos da ditadura militar foi narrada e didatizada de forma pouco personalizada, pois esteticamente os personagens são narrados como entidades lendárias da cultura brasileira que se encontram com sujeitos históricos do passado.


 CAVALCANTI, 2004, p. 158
        
Nessa página da Figura 1, Lailson Cavalcanti, tendo consciência de que esta narrativa gráfica é para crianças, optou por representar a violência da ditadura por meio da cor preta nos requadros em respeito a esse público.  No entanto, ao não aprofundar o contexto histórico, essa narrativa não enfrenta a dimensão traumática do passado que ainda está presente na cultura histórica brasileira em relação a esse tema. A forma narrativa em que se apresenta o fardo da história está expressa numa história hostil em um modelo de vingança ao apresentar a violência dos ditadores militares e abordar o Ato Institucional nº 5 (AI-5) (BORRIES, 2016). Essa forma voltada para a vingança expressa uma estrutrura de sentimento vinculada a uma memória de sofrimento pautada na brutalidade da repressão do estado autoritário brasileiro.

Histórias em quadrinhos que personalizam as narrativas históricas sobre a Ditadura Militar Brasileira (geração de sentido histórico)
Esse tipo de histórias em quadrinhos que personaliza narrativas históricas a partir da geração do sentido histórico é caracterizado pela humanização dos sujeitos que atuam historicamente por uma narrativa que dá sentido de orientação temporal à história. Em geral, essas narrativas aparecem na forma de histórias em quadrinhos ficcionais. As maneiras como elas aparecem se apresentam nos seguintes tipos: 1) Histórias em quadrinhos com personagens ficcionais produzidas durante a Ditadura Militar Brasileira; 2) Histórias em quadrinhos com personagens ficcionais produzidas após a Ditadura Militar Brasileira; 3) Histórias em quadrinhos com personagens de ficção científica e/ou história alternativa produzidas após da Ditadura Militar Brasileira.

Histórias em quadrinhos com personagens ficcionais produzidas durante a Ditadura Militar Brasileira 
Entre as histórias em quadrinhos com personagens fictícios criados no contexto da Ditadura Militar Brasileira, optei por apresentar uma narrativa gráfica de Henfil (1993), chamada A volta da Graúna. Essa categoria de personagens fictícios criados durante a ditadura é quase inesgotável, por isso a escolha do cartunista que mais representou e atacou o estado brasileiro de exceção. A graúna é uma pequena ave negra comum na caatinga do Nordeste brasileiro. Henfil entendia que Graúna representava as mulheres pobres identificando-as com o povo brasileiro.


HENFIL, 1993, p. 20-21

O humor proposto por Henfil é ambivalente, pois brinca com a ideia de que após o Ato Institucional nº5 (AI-5) era proibido a reunião de pessoas.  No caso os personagens Zeferino e bode Orellana estão jogando cartas. Graúna grita: Cumunistas, pega cumunista!!!, assustando-os e dizendo que isso era o espírito esportivo da época. O cartunista narrou ficcionalmente um episódio trágico com muita sensibilidade. As imagens alternativas recriadas pelo quadrinista estão carregadas de uma estrutura de sentimento de caráter humanismo ao mesmo tempo em que desafia a alienação de uma estrutura de sentimento gerada por concepções fatalistas e mistificadoras da realidade social brasileira da década de 1970. O humor com relação às experiências históricas ligadas à perseguição política da polícia ditatorial contra a esquerda comunista e a ideologia de direita baseada na crítica hipócrita à corrupção dos empresários e políticos brasileiros (isto porque a corrupção é uma consequência das relações entre o estado e o capitalismo, ou seja, é um dos modos como o capital se expressa nas relações políticas cotidianas) representa o descaso das elites em relação ao sofrimento humano causado por uma ditadura.

Já na história em quadrinhos denominada “’Napalm’ contra plantação de maconha” Henfil divulga que bombas de napalm estavam sendo lançadas contra a resistência guerrilheira em relação à ditadura no Vale do Ribeira e contra os indígenas da região norte do Brasil que também resistiam contra o regime de exceção.


 HENFIL, 1970

Essas imagens alternativas (SALIBA, 1999) bem humoradas remetem às informações que eram divulgadas pela imprensa censurada no ano de 1970, pois nela apareciam falsas notícias relativas a ataques militares a plantações ilegais de maconha com esse tipo de bombas quando, na verdade, ocorriam massacres militarizados contra jovens resistentes e indígenas. As histórias em quadrinhos de Henfil são apresentadas, como era o estilo desse quadrinista, enquanto uma forma narrativa voltada a um modelo de vingança (BORRIES, 2016) voltada para a rememoração das lutas dos subalternizados, no entanto, expressam uma estrutura de sentimento pautada numa dissidência humana radical fundamentada na solidariedade de uma humanidade igualitária (WILLIAMS, 20013).

Histórias em quadrinhos com personagens ficcionais produzidas após a Ditadura Militar Brasileira
Já as histórias em quadrinhos recentes com personagens ficcionais sobre a ditadura militar brasileira pertencem a uma categoria que busca compreender como a experiência histórica da ditadura de 1964-1985 chega à cultura histórica brasileira contemporânea. Para abordar essa temática apresento a história em quadrinhos Subversivos: A luta contra a ditadura militar no Brasil, especificamente o capítulo Companheiro Germano criada por André Diniz, Laudo e Omar Viñole (2001).


                                DINIZ, LAUDO & VIÑOLE, 2001, p. 18

Nos requadros da Figura 4 vemos que a personagem principal, Helena, recebeu treinamento militar de guerrilha em Cuba e retorna ao Brasil para treinar os guerrilheiros brasileiros contra o regime de exceção. O local de treinamento não é especificado nesta história em quadrinhos, mas é provável que seja uma das bases do Vale do Ribeira, pois foi um dos locais mais importantes para a preparação da guerrilha brasileira em 1970. Essa personagem é representada como uma mulher forte e apaixonada (pela causa da revolução e pelo seu namorado Germano, que seus companheiros desconfiam que seja um traidor).


DINIZ, LAUDO & VIÑOLE, 2001, p. 23
        
Por fim, realizada a preparação militar o movimento guerrilheiro, junto com Helena e Germano, realiza uma expropriação bancária (o que os autores chamaram de assalto a banco) para conseguir mais recursos para a ação revolucionária.

Se seguirmos a interpretação de Bodo von Borries (2016) essa narrativa não busca uma reconciliação social que marca o trauma que a ditadura causou no Brasil, mas sim uma história hostil em um modelo de vingança. Isso apesar de pretender criar uma reconciliação com parte da esquerda com seu passado durante a luta armada naquele período, pois toda a estética dos quadrinhos é voltada para que o leitor simpatize com a protagonista Helena e antipatize com a dubiedade de Germano em relação à traição do movimento guerrilheiro. Não me refero aqui à reconciliação com os torturadores, que de acordo com o princípio humanista é inadmissível, mas sim à construção de uma mutualidade entre aqueles que foram perseguidos pela ditadura militar em qualquer espectro político tendo como problema a luta armada. Muitos sujeitos de direita, de esquerda (incluindo o Partido Comunista Brasileiro) e liberais eram contra a luta armada como estratégia para enfrentar o estado de exceção.

O capítulo O caso dos Xis, parte da narrativa Os Brasileiros, de André Toral (2009), é um bom exemplo da categoria tipológica de histórias em quadrinhos com personagens ficiconais sobre a Ditadura Militar Brasileira que utiliza estratégias estéticas das biografias.

Nesse conto em quadrinhos Toral narra a história de fazendeiros que pretendiam roubar as terras dos indígenas para construir um empreendimento imobiliário no interior do estado do Mato Grosso. Esse conjunto imobiliário faria parte do projeto de expansão para o Oeste proposto pelas elites civis (fazendeiros, empresários e banqueiros com o apoio do braço armado militar) e pelo governo militar da ditadura nos anos 1970.


Fig. 6
TORAL, 2009, p. 72

Para realizar esse intento era comum que os capangas dos fazendeiros, com apoio dos militares, incendiassem com bombas de napalm as aldeias indígenas que resistiam ao processo de desapropriação de suas terras legalmente constituídas.


TORAL, 2009, p. 73
        
No caso dessa narrativa, os indígenas tiveram a sorte de a bomba não cair em suas casas (o incêndio representado no último requadro foi causado por uma etnia indígena inimiga que se aproveitou do momento), mas realizaram, seguindo as ideias de Bodo von Borries (2016, pp. 32-38) uma história oculta e subalterna dos perdedores seguida de uma esperança de recordação histórica futura, pois essa memória de sofrimento durante o estado de exceção ainda faz parte das tradições de rememoração indígenas contemporâneas no Brasil.

Histórias em quadrinhos com personagens de ficção científica e/ou história alternativa produzidas após da Ditadura Militar Brasileira
A narrativa gráfica Pátria Armada, de Klebs Junior (2014), é um exemplo de histórias em quadrinhos com personagens de ficção científica e/ou história alternativa que abordam os guerrilheiros na ditadura militar brasileira.



JUNIOR, 2014, capa

O contexto estético dessa ficção científica se dá numa história alternativa onde o Brasil contemporâneo estaria numa guerra civil entre legalistas e federalistas. Os últimos, os federalistas, são seguidores dos que apoiaram o golpe militar de 1964 e hoje se assumiriam como neofascistas (uniforme verde, lembrando o movimento fascista brasileiro do Integralismo dos anos 1930). Já os legalistas são os seguidores dos defensores Presidente da República João Goulart ou Jango que foi deposto pelo golpe militar de 1964. Nesta história em quadrinhos alternativa, Jango resiste ao golpe militar junto com os movimentos de esquerda ― que nos anos 1960 e 1970 seriam guerrilheiros dissidentes contra a ditadura ― e as Forças Armadas da legalidade republicana e democrática no Brasil (cujos uniformes pretos ― referência ao anarquismo como símbolo de uma revolução política radical ― representam as forças democráticas e revolucionárias de esquerda).


                                              JUNIOR, 2014, s/p.

Essa narrativa gráfica claramente não propõe uma história reconciliadora, mas está dentro do que Bodo von Borries (2016, pp. 32-36) entende como uma narrativa histórica hostil pautada num modelo de vingança. É uma concepção exatamente oposta à reconciliação histórica. No entanto, a dimensão estética apresentada nesse artefato da cultura histórica mobiliza a dimensão política de dissidência presente na memória dos sujeitos que lutaram contra a opressão ditatorial. Aqui também existe uma forma de narrar baseada numa história oculta dos vencidos que buscam uma rememoração histórica por meio da construção heróica da resistência.

Na mesma categoria ligada às histórias em quadrinhos com personagens da ficção científica e/ou história alternativa que abordam a ditadura militar brasileira está O Doutrinador, de Luciano Cunha (2015). O protagonista dessa ficção científica é um supersoldado (uma mistura entre o Capitão América e o Justiceiro) que extermina os políticos e militares que fazem o povo brasileiro sofrer sob o jugo da violência política do Estado e da corrupção no Brasil contemporâneo. A máscara que o Doutrinador usa é do mesmo tipo das que eram utilizadas pelos soldados na ditadura militar brasileira para se proteger do gás laranja que jogavam contra os guerrilheiros e indígenas nos anos 1970.


CUNHA, 2015, p. 7


A ambivalência da máscara é representada pelo protagonista que extermina os policiais militares da contenção armada que torturavam e violentavam os jovens que participaram do movimento de junho de 2013 em São Paulo. A mesma máscara que estava vinculada aos assassinatos de indígenas e guerrilheiros durante a ditadura militar, agora é usada para proteger os jovens dissidentes da violência policial sustentada pelo governo contemporâneo do estado de São Paulo (que ainda preserva, em 2019, uma tradição de uso de violência na repressão aos movimentos populares urbanos e rurais).


CUNHA, 2015, p. 20

O protagonista se torna um revolucionário contra a direita civil e militar brasileira quando conheceu e se apaixonou por Maria, uma jovem comunista paraibana que foi morta pelos militares durante a guerrilha do Araguaia. A vingança pessoal é o que marca sua ação no presente em prol da consciência política de que a corrupção está estritamente vinculada à história da Ditadura Militar Brasileira.

CUNHA, 2015, p. 47

Essa história em quadrinhos apresenta uma forma narrativa voltada para uma história hostil pautada em um modelo de vingança e uma história oculta que busca uma esperança de rememoração, sendo pautada numa memória de heroísmo, que garante a diversidade de tradições contra-hegemônicas, mas não atingem uma reconciliação histórica com o passado (BORRIES, 2016, pp. 32-38).  Isto porque ainda hoje a guerrilha rural do Araguaia, assim como a guerrilha do Vale do Ribeira, é pouco conhecida rememorada na cultura histórica dos brasileiros. No entanto, a história em quadrinhos está imbuída de uma estrutura de sentimento alternativa (WILLIAMS, 2003), pois narra uma comunhão de valores de solidariedade mútua e cooperação que esse ex-militar tinha com uma guerrillheira da esquerda camponea do Brasil.
          
Considerações finais
A finalidade desse inventário é fornecer um critério metodológico para a construção de um instrumento de investigação que aborde as ideias históricas que jovens estudantes de escolas públicas têm quando leem histórias em quadrinhos sobre a Ditadura Militar Brasileira e a construção de um roteiro de uma história em quadrinhos didática sobre a Guerrilha do Vale do Ribeira desenvolvidas pelos jovens estudantes com a cooperação dos professores de história.

Em vista disso, no inventário desta tipologia encontrei dois tipos de quadrinhos quando o conceito histórico substantivo é a ditadura militar brasileira de 1964 a 1985. A primeira diz respeito às histórias em quadrinhos que despersonalizam as narrativas históricas sobre a ditadura militar brasileira a partir da perspectiva da transposição didática. Já a segunda se refere às histórias em quadrinhos que personalizam as narrativas históricas sobre a ditadura militar brasileira a partir da perspectiva da teoria da consciência histórica que atesta uma geração de sentido histórico.

As histórias em quadrinhos que despersonalizam as narrativas por meio da transposição didática são materiais paradidáticos que narram uma espetacularização dos guerrilheiros na ditadura militar brasileira.

Por um lado, a característica dessa despersonalização está na apresentação do contexto histórico esteticamente dimensionado como uma estrutura determinista, se não espetacular. A transposição didática despersonalizadora foi a concepção de ensino de história que menos apareceu neste inventário de histórias em quadrinhos sobre a Ditadura Militar Brasileira.

Por outro lado, as histórias em quadrinhos que personalizam as narrativas históricas sobre a ditadura militar brasileira a partir da geração do sentido histórico aparecem, em geral, como ficção ou ficção científica e/ou história alternativa de tal maneira que é possível afirmar que as dimensões estética e política/ética da cultura histórica mobilizam a geração do sentido temporal através de histórias de personagens fictícios fortes carregados de experiências históricas significativas.

Portanto, poucas histórias em quadrinhos abordam a ditadura militar brasileira, do ponto de vista historiográfico ou da Didática da História, a partir da geração do sentido histórico. Nelas, as dimensões estéticas, cognitivas e políticas/éticas da cultura histórica mobilizam a geração do sentido temporal através de histórias de personagens históricos fortes e carregadas de significativas experiências históricas.

Quanto às formas narrativas ligadas ao fardo da história, constatei que a maioria das histórias em quadrinhos sobre a ditadura militar brasileira se fundamentam em histórias hostis voltadas para um modelo de vingança e também nas histórias dos subalternos em busca de uma rememoração heróica dos vencidos, mas não foi encontrada algua história ficcional sobre a ditadura militar brasileira que desenvolve estratégias históricas de reconciliação mútua. Por isso, existe a necessidade de procurar uma direção de uns em relação aos outros na luta por um caminhar juntos numa resistência pautada numa dissidência humana radical.

Referências
Marcelo Fronza é coordenador do Grupo Pesquisador Educação Histórica: Consciência histórica e narrativas visuais (GPEDUH-UFMT), Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, Brasil e professor pesquisador no Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH-UFPR), Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. Agradeço aos professors historiadores vinculados a esses dois grupos de investigação e que fazem parte do Projeto Memórias brasileiras: Conflitos Sociais - Indígenas, Quilombolas e Napalm: uma história da guerrilha do Vale do Ribeira (CAPES). Agradeço também ao CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória” - da Universidade do Porto, Portugal, onde desenvolvo meu estágio de pós-doutoramento sob a supervisão da Profª. Drª. Isabel Barca, por possibilitar as condições de tempo e estrutura para a realização desse trabalho.

BAKHTIN, M. M. Observações sobre e epistemologia das ciências humanas. BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 399-414.
BORRIES, B. v. Lidando com histórias difíceis. In: SCHMIDT, M. A.; FRONZA, M.; NECHI, L. P. (orgs). Jovens e consciência histórica. Curitiba: W.A. Editores,2016, p. 32-54.
CAVALCANTI, L. d. H. Dura, Dura, Ditadura! In: CAVALCANTI, L. d. H. Pindorama: A outra história do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2004.
CHEVALLARD, Y. La transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado. Buenos Aires: Aique, 2000.
CUNHA, L. O Doutrinador. Rio de Janeiro: Redbox, 2015.
DINIZ, A.; LAUDO; VIÑOLE, O. Companheiro Germano. In: DINIZ, A.; LAUDO; VIÑOLE, O. Subversivos: A luta contra a ditadura militar no Brasil. Rio de Janeiro: Nona arte, 2001.
FREITAS, R. R. Aprendizagem histórica de jovens estudantes no envolvimento com o jogo eletrônico: Um estudo da relação intersubjetiva entre consciência histórica e cultura histórica. 170p. (Dissertação de Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2017.
HENFIL. A volta da Graúna. São Paulo: Geração Editorial, 1993.
HENFIL. “Napalm” contra plantação de maconha. Pública: Agência de reportagem e jornalismo investigativa.1970. Disponível em: http://apublica.org/2014/08/napalm-no-vale-do-ribeira/ Acesso em: 25 de julho 2017
JUNIOR, K. Pátria Armada, nº 1. São Paulo: Instituto dos Quadrinhos, 2014.
RÜSEN, J. Cultura faz sentido: orientações entre o ontem e o amanhã. Petrópolis: Vozes, 2014.
RÜSEN, J. O que é cultura história? Reflexões sobre uma nova maneira de se abordara história. In: SCHMIDT, M. A.; MARTINS, E. C. R. Jörn Rüsen: Contrubuições para uma Teoria da Didática da História. Curitiba: W. A. Editores, 2016, p. 53-81.
SALIBA, E. T. As imagens canônicas e o Ensino de História. In: SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. R. III Encontro Perspectivas do Ensino de História. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, pp. 434-452.
SCHMIDT, M. A. Cognição histórica situada: que aprendizagem histórica é essa? In: SCHMIDT, M. A.; BARCA, I. (Orgs.). Aprender história: perspectivas da educação histórica. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2009, pp. 21-51.
TORAL, A. O caso dos Xis. In: TORAL, A. Os Brasileiros. São Paulo: Conrad, 2009.
WILLIAMS, R. La larga revolución. Buenos Aires: Nueva Visión, 2003.



36 comentários:

  1. De acordo com a sua constatação em relação às formas narrativas ligadas ao fardo da história,onde a maioria das histórias em quadrinhos sobre a ditadura militar brasileira se fundamentam em histórias hostis voltadas para um modelo de vingança, mas não foi encontrada alguma história ficcional sobre a ditadura militar brasileira que desenvolve estratégias históricas de reconciliação mútua.Na história da ditadura militar no Brasil, houve essa busca pela reconciliação mútua? Ou seria apenas uma ficção mesmo? É possível buscar construir essa reconciliação diante do cenário político atual?

    Anna Darlene Ramos da Silva
    anna_darlene@hotmail.com

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    1. Boa tarde, Anna,

      Obrigado pela ótima pergunta...

      De fato, nas histórias em quadrinhos ficcionais sobre a ditadura militar não encontrei nenhuma espécie de tentativa de reconciliação mútua em relação ao passado. é importante aqui frisar, que quando me refiro à reconciliação mútua, isso não quer dizer de forma alguma oferecer um perdão aos torturadores, aos militares e dirigentes e membros da elite que apoiaram e sustentaram o golpe militar e a ditadura. Nesse sentido, a sua primeira pergunta já contém a semente da resposta: entendo que ainda não houve um esforço de reconciliação mútua de modo que os grandes exemplos foi a escolha escolha de uma história difícil pautada numa narrativa de esquecimento do passado em prol de questões pragmáticas, tal como aconteceu durante a anistia, que não puniu os torturadores (lembre que na Alemanha, após o nazismo, o processo de reconciliação envolvia a punição dos criminosos por um período de mais de quarenta anos - ainda na década de 1980 pessoas eram julgadas pelos crimes do holocausto; o mesmo vale para a Argentina, que puniu exemplarmente todos os líderes militares envolvidos com a ditadura. Outro exemplo de não reconciliação foi o resultado da Comissão da Verdade no Brasil, pois as forças armadas não se retrataram por seus crimes e ainda por cima não forneceram os documentos e arquivos sobre as torturas, sequestros e violações que seus militares realizaram na ditadura alegando mentirosamente que os arquivos foram eliminados. Creio que respondi a segunda questão, pois de fato a busca de reconciliação na história do Brasil está muito perto de ser caracterizada como uma ficção. Já a terceira pergunta pode ser respondida por meio do que, a partir das considerações do novo humanismo, eu entendo por reconciliação mútua. Essa reconciliação não diz respeito a um perdão aos criminosos da ditadura, mas uma exigência pública de punição, mesmo que somente formal, dos mesmos com o reconhecimento público por parte das Forças armadas, de que elas cometeram sim um crime contra a humanidade num período ditatorial governado por elas por meio de um golpe de estado e um regime de exceção. As Forças armadas só podem ser reconciliadas com os descendentes de suas vítimas quando assumirem esse fardo histórico que é só delas e das elites que apoiaram a ditadura. Hoje, entendo, como Gramsci, que estamos num período de transformação e são nesses momentos que os piores demônios reacionários aparecem e dominam porque estão lutando contra sua morte iminente. Em algum momento a sociedade buscara uma paz de reconciliação sincera, contra todas as dores do momento atual. O que eu quero dizer: O imbecil que nos governa faz apologia à ditadura e a tortura, além de possivelmente estar envolvido diretamente no assassinato de Marielle, e essa atitude está fazendo com que muitos militares de alta patente que honram a sua profissão e tem dignidade já estejam assumindo que o que ocorreu em 1964 a 1985, foi sim, uma ditadura militar sustentada por um golpe atroz e que não existia nenhum perigo comunistas, mas sim um desejo perverso pelo poder. Além disso, muitos setores da sociedade em todas as classes e movimentos não aguentam mais essa parvalhice instituída desde o golpe de 2016. Portanto, a possibilidade de reconciliação mútua está fincada como uma cruz nos túmulos (metafórico ou real) do atual presidente e seus filhos.

      Espero que eu tenha respondido. Suas perguntas foram dificílimas.

      Marcelo Fronza
      fronzam08@gmail.com

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    2. Boa tarde, Marcelo!

      Obrigada pelo excelente esclarecimento sobre meus questionamentos, temo que o imbecil que nos governa queira mudar a história em nossos livros didáticos exaltando o golpe de 64 como um ato heroico, pior é saber que, infelizmente, temos colegas historiadores que defendem essa idea absurda.

      Anna Darlene Ramos da Silva

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    3. Boa tarde, Anna.

      Aqueles "historiadores" que escrevem os tais guias politicamente incorretos ( os outros que escreverão livros didáticos baseados nessas porcarias) ou participam de documentários baseados em teorias da conspiração não são historiadores, são publicistas que divulgam mentiras propositais. Historiador é quem investiga e leciona história, ao exercer seriamente sua profissão jamais mentiria. Falar para alunos ou escrever para um público afirmando que não houve um golpe de estado do Brasil em 1964 e que o que ocorreu em de 1964 a 1985 não foi uma ditadura militar autoritária, além de uma impostura revela a falta de profissionalismo e a incompetência intelectual desse sujeito.

      Portanto, fique tranquila.

      Eles não passarão!!!

      Um Beijo,

      Marcelo Fronza
      fronzam08@gmail.com

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  2. Boa tarde, Marcelo. Minha dúvida é pautada dentro da sua constatação sobre esses modelos de vingança dessas historias. Seria possível que elas fornecessem base, de fato, para o despertar da consciência histórica dos alunos, se trabalhadas em sala de aula? Já que poucas abordam a ditadura do ponto de vista historiográfico e da Didática da História, como você pontua na conclusão.

    Daniel Fagundes
    danielfcm_dani@hotmail.com

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  3. Boa tarde, Daniel.

    Ótima pergunta.

    De fato, constatei na minha investigação que a maior parte das narrativas em quadrinhos sobre a ditadura militar diz respeito uma história difícil de vingança. Nesse capítulo, não abordei histórias em quadrinhos do ponto de vista historiográfico e (auto)biográfico(fiz isso em um artigo que em breve será publicado na Educar em Revista: lá abordo as HQs construídas a partir de critérios historiográficos e mesmo da Didática da história de modo que encontrei HQs que apresentam estratégias sofisticadas de reconciliação mútuas). Mas mesmo no capítulo sobre essas HQs ficcionais é importante destacar que outros modelos de narrativas de história difícil apareceram, mesmo que minoritárias ou contra-hegemônicas,sendo que a principal é a história dos vencidos com vistas à ressurreição de projetos perdidos por meio da memória dos que foram derrotados no passado. Essa narrativa difícil contem nela o potencial do reconhecimento mútuo, se for trabalhada criticamente pela ciência histórica na escola como uma posição válida contra a história dos vencedores. Mesmo essas histórias ficcionais estão intimamente ligadas ao processo de formação da consciência histórica dos jovens estudantes, pois pertencem à cultura histórica e à cultura jovem em que esses sujeitos fazem parte. Essas HQs fazem parte daquilo a que Rüsen afirma como o estético no histórico: são excelentes narrativas para entendermos a dimensão estética da cultura histórica brasileira, neste caso, a referente à ditadura militar. Com isso, trazem uma dimensão mais sensível em relação ao sofrimento daquela época e suas implicações para nosso presente e perspectivas de futuro.

    Não sei se respondi direito a sua pergunta que foi muito boa.

    Um abraço,

    Marcelo Fronza
    fronzam08@gmail.com

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  4. Olá, achei as indagações e conclusões presente no seu texto muito pertinentes. No entanto, por desconhecimento acerca de alguns pensamentos mais teóricos presentes nele, gostaria que, se possível, você fizesse uma breve explicação sobre as conclusões de Bodo von Borries a respeito das estratégias de reconciliação histórica e o contextualizasse no tempo-espaço, visto que é um dos pilares para construção do artigo. Desde já agradeço.

    Yris Campos Oliveira
    yrisoliveirac@gmail.com

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  5. Boa tarde, Yris.

    É uma ótima pergunta.

    Bodo von Borries escreveu pela primeira vez, em 2008, na Alemanha, sobre a tipologia das histórias difíceis ou fardo da história e as respectivas estratégias de reconciliação histórica por volta de 2008 articulando duas vertentes: 1)suas próprias investigações relativas à autobiografias, romances históricos, entrevistas com estudantes de ensino médio e narrativas históricas, algumas dessas pesquisas vinculadas ao projeto "Youth and History" ("Jovem e a História", de 1995), onde investigou a consciência histórica de 25.000 estudantes de 15 anos de idade Em 27 países da Europa e do Levante; e 2) a teoria da consciência histórica desenvolvida por Jeissmamm e Rüsen, mais especificamente, a partir das categorias de cultura histórica e de dignidade e sofrimento humanos proposta pela ideia do Novo Humanismo todos propostos por Jörn Rüsen. A ideia de "história difícil" ou "fardo da história" advém dessa ideia do novo humanismo de que o reconhecimento do sofrimento humano é um passo inicial para a construção, a partir do diagnóstico das limitações dessas modalidades de narrativas difíceis (pautadas na vingança,no orgulho arrogante do vencedor, na vitimização dos vencidos, ou no esquecimento conveniente ou recalcado de passados sujos e/ou traumáticos), de uma reconciliação mútua complexa, sim ,mas honesta e humana. As formas de reconciliação mútua (compreensão da história, revisão de comportamento e lidar com o outro) estão vinculadas à busca, quem sabe utópica, mas não menos real, de uma humanidade igualitária por meio de uma ciência histórica que reconheça as experiências, valores e formas de mobilização igualitárias dos que foram derrotados no passado, mas clamam pela expressão de suas esperanças, no nosso presente, para que possam descansar no futuro. Um exemplo: na Alemanha, a história difícil do nazismo e sue holocausto composta por narrativas de vingança, de orgulho cego, de vitimização e de esquecimento conveniente, foi processualmente sendo superada 1) pela compreensão histórica realizada por uma historiografia que analisou muito bem as responsabilidades dos governantes e do povo alemão em relação a esse tema, 2) por uma revisão do comportamento em relação à judeus, ciganos, homossexuais, pessoas com necessidades especiais, posicionamentos políticos (inclusive anti-capitalistas) e estrangeiros em geral (colocando-os em pé de igualdade com todos os alemães de nascimento em seu território)e 3)pela reavaliação do modo de lidar com o outro que está dentro, por exemplo, os turcos, poloneses,portugueses, povos de nações africanas e latino-americanas que trazem seus conflitos para o solo alemão, mas são reconhecidos por todo o sistema público, para que não haja risco de regressões como os dos anos 1930 e 1940. No Brasil, com relação à ditadura militar só temos a primeira característica da reconciliação histórica: a compreensão histórica da historiografia. Como sabemos ainda os comportamentos não foram mudados, principalmente da parte dos que estão no poder, mas também de sua oposição (haja vista a estratégia inconsequente da esquerda na última eleição), e muito menos o saber lidar com o outro devido ao não reconhecimento de que o Brasil é um país racista, sexista,violento e desigual (aliás o mais violento e desigual do mundo, disparado - a violência contra negros, mulheres, homossexuais e transsexuais é maior que nos países muçulmanos que tem leis contra esses grupos) e com propensão perigosa para o genocídio e a estigmatização em relação aos indígenas. Portanto, essa investigação proposta por Bodo von Borries é urgente numa sociedade dominada por milicianos, traficantes e governantes insensíveis, que no passado brasileiro foram nossos traficantes de escravos.

    Espero que eu tenha respondido sua excelente pergunta.

    Marcelo Fronza
    fronzam08@gmail.com

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    1. Muito obrigada, Marcelo! Minha dúvida foi sanada perfeitamente.

      Yris Campos Oliveira
      yrisoliveirac@gmail.com

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  6. Olá, eu gostei bastante da sua forma de capturar os detalhes das variáveis e de cada estilo nos quadrinhos. Meu objeto de estudo também é a ditadura, mas com o olhar da literatura. E o que eu tenho em mente é justamente atrair os alunos ao tema com uma maneira mais prazerosa de aprender sobre a ditadura, uma outra forma (música e literatura, por exemplo) já que trazendo para o campo interdisciplinar existia uma relação muito incentivadora à literatura no meu período de ensino médio, mesmo não sendo em História e sim na matéria de Língua Portuguesa. O problema é que hoje, mesmo entre alguns professores que encontrei ocorre um certo desmerecimento quanto à literatura ficcional, na visão dos mesmos "por não ser o melhor material para se trabalhar em sala de aula". Sendo assim, meu questionamento é: A literatura ficcional poderia de alguma forma dialogar com os quadrinhos ou de forma individual ser trabalhada com essa mesma metodologia?
    Obs: Imaginei "Bar Don Juan" (Antonio Callado) em quadrinhos e isso seria fantástico.

    Italo Raionny Teixeira Silva
    raionnyteixeira@hotmail.com

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    1. Bom dia, Ítalo.

      Pergunta altamente relevante.

      A resposta é sim. É possível investigar história e as ideias históricas dos estudantes sobre qualquer tema traumático, tal como a ditadura militar, por meio de literatura fictional. Vários autores de de relevância para a historiografia já fizeram pesquisas excelentes com literatura ficional em relação a um período histórico. Alguns intelectuais das ciências humanas que usam essa abordagem são Mikhail Bakhtin (Dostoyevsky e Rabelais), Raymond Willams (Literatura romântica e ficção científica do século XX), Frederic Jameson (Kafka e ficção científica do século XX), Edward P. Thompson (literatura romântica e gótica do século XIX). No Brasil temos Sidney Chalhoub (Machado de Assis), Nicolau Sevcenko (Euclides da Cunha e Lima Barreto), Liliam Schwarcz (Lima Barreto),entre outros.

      A literatura ficional é um excelente material para se trabalhar aulas de história e para investigar as ideias históricas dos estudantes, pois nela podemos captar com clareza as estruturas de sentimentos que moldam as várias manifestações da cultura jovem no âmbito da cultura histórica brasileira e mundial. Ainda não li o "Bar Don Juan" do Antônio Callado, mas se for na linha do romance "Quarup", do mesmo autor, creio que "Bar Don Juan" pode ser excelente para entendermos a estruturas de sentimentos dominantes que entraram em conflito durante a ditadura.

      Vá em rente com seu trabalho e tenha ouvidos bem abertos para entender como o passado da ditadura militar chega na consciência histórica de seus estudantes.

      E última dica: não dê bola para os professores que falam que a literatura ficional não pode ser trabalhada em história. Eles estão dominados pela falsa concepção de que ficção é mentira. Ficção não tem nada a ver com mentira, mas sim, imaginação, a base de qualquer narrativa histórica e de qualquer investigação científica. A diferença é que a ficção se utiliza de elementos, às vezes desconexos, da realidade para criar e construir coerente e imaginativamente uma trama que busca uma possibilidade alternativa do real (seja no passado, no presente ou no futuro), enquanto a história busca compreender os mecanismos (quadros históricos, teorias, interpretações, significados, valores)que estruturam a realidade das experiências do passado a partir da diferença com as experiências do presente que pode nos fornecer elementos para uma geração de sentido histórico por meio da ciência.

      Espero que tenha respondido sua pergunta que foi muito boa.

      Um abraço,

      Marcelo Fronza
      fronzam08@gmail.com

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    2. Obrigado, Marcelo! Muito boa a sua resposta e sua dica. Assim como na sua resposta, meu orientador, no doutorado dele fez sua pesquisa sobre a vida e obra de Lima Barreto. Sua resposta vai servir de estímulo nessa minha caminhada. Boa sorte no pós-doutorado! "Quarup" vai ser minha próxima leitura.
      Abraço

      Italo Raionny Teixeira Silva
      raionnyteixeira@hotmail.com

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  7. Ah...

    desculpe-me os erros com a palavra "ficcional". é que estou em Portugal e as vezes o corretor automático joga para a versão portuguesa e não do Brasil.

    Abraços..

    Marcelo Fronza

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  8. Excelente contribuição! A urgência de reflexões e ações pautadas nas políticas de enfrentamento de um passado traumático, cuja política de graves violações de direitos humanos se desdobra até os dias de hoje, encontram sérios obstáculos para culpabilização ou criminalização dos agente responsáveis por essas arbitrariedades devido à Lei de Anistia brasileira. A própria ideia de uma reconciliação nacional, objeto da referida Lei, somada ao revisionismo na historiografia (especialmente sobre a natureza do Golpe e do regime), dificultaria a compreensão desses "temas sensíveis ou controversos". Em meio à esta verdadeira guerra de narrativas e de (re)construção de memórias, houve, na aplicabilidade da pesquisa em sala de aula, o apelo ao (pseudo)argumento de que "houve violência em ambos os lados" pelos alunos? A perspectiva de vingança reforçou essa visão estereotipada dos movimentos de resistência armada? Por fim, há a produção de HQs de caráter biográfico, com personagens que efetivamente tiveram seu papel na resistência contra o regime civil-militar brasileiro?
    Abraço!
    Leonardo Leal Chaves

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    1. Boa tarde, Leonardo,

      Excelentes perguntas.

      Quanto è primeira questão, infelizmente não pude aplicar numa escola um instrumento de pesquisa com estes quadrinhos, pois estou fazendo um pós-doutorado em Portugal, o que me impede de realizar uma pesquisa presencial no Brasil. Mas, sim,deduzo que talvez esse chavão ideológico "os dois lados da história" apareça na resposta de jovens. No entanto, só após uma pesquisa empírica é possível inferir quais os critérios, significados e valores sustentariam esse chavão ideológico. Esse capítulo e outro artigo já em vias de publicação são bases para que eu construa essa pesquisa empírica que deverá ser levada a cabo em 2020.

      Quanto à segunda questão, não creio que essas HQs ou mesmo a perspectiva da narrativa de vingança tenha gerado a visão estereotipada sobre a resistência. Defendo a hipótese contrária: as ideologias neoliberal e conservadora (hoje tendendo para versões neofascistas) presentes na sociedade brasileira (e reverberadas pela grande mídia, pelas redes sociais virtuais e algumas igrejas neopentecostais, não todas, é claro)criaram o estereótipo da resistência (armada e não-armada) expresso no mito, sem verificação empírica, do "perigo comunista" (hoje requentado pelo "antipetismo", que é contra toda esquerda e, até mesmo, pasme, contra os liberais de direita). Essas HQs e suas respectivas histórias de vingança ou de rememoração heroica da histórias dos que foram vencidos na ditadura são respostas críticas às narrativas dos vencedores e ao esquecimento conveniente que performam esse estereótipo impingido à resistência armada contra a ditadura militar.

      Já a terceira questão é mais fácil de responder: sim, já escrevi sobre Hqs que narram as histórias de resistência contra à ditadura militar de sujeitos biografados. Esse artigo será publicado em breve na Educar em Revista, da UFPR, no Dossiê sobre Educação Histórica.

      Espero que eu tenha respondido a contento as suas ótimas questões.

      Abraços,

      Marcelo Fronza
      fronzam08@gmail.com

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    2. Plenamente, Marcelo!
      No aguardo dos resultados das pesquisas e publicações.
      Abraço!

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. Olá, gostei bastante da sua crítica quanto a representação da ditadura nos quadrinhos. Esse ideal de vingança que surge nos quadrinhos, pode ser usado na sala de aula como forma de entender o imaginário desses cartunistas após a ditadura?
    Anita Beims.
    anjosbeims@gmail.com

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    1. Bom dia, Anita,


      Boa pergunta,

      Sim, mais do que o imaginário dos cartunistas, essas histórias difíceis presentes nas HQs permitem que os estudantes compreendam as estruturas de sentimento que moldavam o caráter social desses quadrinistas que se opunham à ditadura militar e se opõem hoje às ideias de que o período de exceção foi uma idade do ouro do Brasil.

      Espero ter respondido a contento sua questão,

      Abraços,

      Marcelo Fronza
      fronzam08@gmail.com

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  12. Bom dia, Anita,

    Ótima pergunta.

    Mais de que uma representação, que é meramente psicológica, essas histórias sobre vingança são estruturas de sentimento, ou seja não representam a realidade, são formas de sentir e dar sentido histórico à mesma realidade e às suas vidas. Por tanto, é, sim , possível trabalhar em aulas todas as formas de história difícil, desde que mediadas, no mínimo, por uma estratégia de reconciliação mútua por meio da compreensão histórica. uma boa historiografia sobre a ditadura pode ajudar a mediar esse processo de argumentação com os estudantes.

    Não sei se respondi a contento a sua questão.

    Um abraço.

    Marcelo Fronza
    fronzam08@gmail.com

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  13. BOA NOITE, MARCELO!

    Interessante sua pesquisa sobre as HQ's e as relações com a ditadura militar.Quais seriam as maiores dificuldades encontradas em sala de aula pelo professor de História, no sentido de trabalhar essas metodologias?


    Atenciosamente:
    João Paulo de Oliveira Farias

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    1. Bom dia, João Paulo,

      Ótima pergunta.

      A grande dificuldade em trabalhar com histórias em quadrinhos com temas difíceis é também é também uma virtude.

      A maior dificuldade é que as imagens presentes nas HQs até por conta de seu poder simbólico e alegórico vão além do que está desenhado, ou seja, o jovem que lê uma narrativa gráfica lê o seu repertório cultural de imagens advinda da sua cultura juvenil e da cultura histórica em que está inserido. Ou seja quando lemos HQs vemos muito mais do que está desenhado, vemos nossas experiências em relação ao tema histórico e com as mídias imagéticas. Ao mesmo tempo, essa é a grande vantagem, pois, metodologicamente, se montarmos as aulas de história a partir das ideias históricas que os jovens mobilizam quando leem essas HQs poderemos construir aulas que gerem sentido de orientação histórica para os jovens.

      Não sei se respondi direito a sua pergunta,

      Um abraço,

      Marcelo Fronza
      fronzam08@gmail.com

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  14. Olá, bem interessante sua análise desse período histórico sobre os quadrinhos. É sempre bem vindo didaticamente os trabalhos em sala de aula que partem de diferentes metodologias. Sou professora de Geografia e gosto muito de trabalhar com temas polêmicos como este partindo da análise dos próprios alunos, através de notícias, textos descritivos, produção de desenhos através de músicas ou vídeos sobre o tema. No entanto, a grande dificuldade que se estabeleceu nas escolas ao trabalhar com esse tipo de tema é o viés político que se instalou no país nesse último ano. Como trabalhar esse e outros temas políticos, sem que sejamos constantemente usurpados do nosso papel de educadores sob a desculpa de que temas como esse são temas doutrinadores?

    Patrícia Zaluski

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    1. Bom dia, Patrícia.

      Questão difícil de responder.

      Defende que devemos trabalhar, sim, com HQs e imagens que abordem a ditadura militar e outras experiências traumáticas. exatamente porque a experiências da escravização e das ditaduras são traumáticas que esse clichê sem base empírica da "doutrinação de esquerda" aparece na boca de nossos estudantes.

      Esse discurso pós-político de que discutir temas políticos e sociais são doutrinação também est´ão ligados ao fenômeno da ultra-política dos fanatismos religiosos e econômicos. O que eu quero dizer aqui é que é importante que tragamos esses temas polêmicos para, por meio da ciência histórica,detectarmos nos alunos as fontes dos preconceitos veiculados na cultura em que se inserem. É muito importante investigarmos de onde vem essas ideias dos alunos, para depois, por meio da ciência histórica educá-los apontado as limitações dessas visões religiosas e políticas pautadas em estereótipos.

      Por isso é importante trazer as ideias prévias dos estudantes, pois com elas voc~e descobrirá, não só jovens que expelem preconceitos, mas também outros que são sensatos e entendem que a ciência é o único saber igualitário, pois tem uma linguagem e uma série de métodos compreensíveis a todos os seres humanos em qualquer parte do planeta.

      Essas jovens que tem bom senso ajudam os professores a corrigir os estereótipos de outros estudantes que estão imersos numa cultura preconceituosa.

      Não sei se respondi.

      Um abraço,

      Marcelo Fronza
      fronzam08@gmail.com

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  15. Boa noite,
    Gostaria de parabeniza-lo pelo excelente trabalho!
    Considerando que esse é um assunto muito pertinente que deve ser ensinado de maneira bem clara nas escolas, para que não se repita ou que se considere um grande feito, como ocorreu há alguns dias. Seria viável a utilização dessa metodologia para o Ensino de Jovens e Adultos (EJA) que na maioria das vezes já possuem um posicionamento sobre o tema? E quais seriam as principais dificuldades a serem enfrentadas?

    Abraço,
    Flavio de Souza Júnyor

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    1. Bom dia, Flavio,

      Ótima pergunta.

      A resposta é sim. Estudantes de EJA são um dos melhores públicos para discutirem essas histórias difíceis, pois eles tem ais consciência de que construíram suas ideias e escolas a partir da experiências de de suas vidas. Até por conta disso, defendo que mesmo com ideias já formadas, muitos desses estudantes tem mais abertura para compreender e aceitar as argumentações presentes em narrativas gráficas mais complexas sobre esses temas.

      As principais dificuldades a ser enfrentadas no uso das HQs com EJA é que as imagens gerarão nos estudantes uma série de lembranças e memórias que estão além da narrativa da HQ. Essa dificuldade é também a sua vantagem, pois com isso você descobrirá quais as estruturas de sentimento que regem as ideias históricas que esses sujeitos tem sobre a ditadura militar. A aula de história ficará muito enriquecida.

      Não se se respondi sua pergunta.

      Um abraço,

      Marcelo Fronza
      fronzam08@gmail.com

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  16. Primeiramente gostaria de parabeniza-lo pelo ótimo trabalho e excelente levantamento de dados.
    Sabemos que por mais que existam uma grande variedade de gêneros de HQ's, ainda há uma certa relutância em utiliza-los como uma forma de aprendizado, isso aliado a atual conjuntura do país, possivelmente enfraquece a produção desse tipo de mídia, a melhor maneira de introduzir e fazer com que esse aluno queira buscar mais HQ's seria, em primeiro momento, apresentar obras que são referências,Persépolis de Marjane Sartrapi por exemplo, para depois buscar as obras brasileiras? E quais as principais dificuldades de lidar com esse tipo de conteúdo em sala de aula?
    Cecilio Borges Rosa Junior

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    1. Bom dia, Cecilio,

      Ótimas perguntas.

      Felizmente, a partir dos anos 2010 em diante e do PNBE,a produção de quadrinhos brasileiros com temas históricos é gigantesca. Talvez a distribuição seja um pouco difícil, mas muitos sites já tem versões on-line deles. Como você pode perceber nas referências das HQs analisadas no meu capítulo, a maioria das narrativas gráficas sobre a ditadura são muito recentes. Essas Hqs impressas são mais facilmente encontradas em lojas de quadrinhos, como a Itiban em Curitiba, ou outras pelo Brasil, pelas livrarias e sebos, mas principalmente pelas Comicons brasileiras. Mas A maioria delas existem on-line em serviços de stream, e podem ser baixadas.

      Com relação à primeira pergunta, sim. Começar com esses quadrinhos históricos famosos como Mauss, Persépolis, Diário de Anne Frank, palestina, Notas sobre Gaza pode ser uma boa entrada para os estudantes desenvolverem o pensamento histórico a partir das imagens gráficas.

      Quando à segunda pergunta, já respondi em outros comentários anteriores, mas repito aqui:

      A maior dificuldade é que as imagens presentes nas HQs até por conta de seu poder simbólico e alegórico vão além do que está desenhado, pois são portadoras de narrativas, ou seja, o jovem que lê uma narrativa gráfica lê o seu repertório cultural de imagens advinda da sua cultura juvenil e da cultura histórica em que está inserido. Ou seja, quando lemos HQs vemos muito mais do que está desenhado, vemos nossas experiências em relação ao tema histórico e com as mídias imagéticas. Ao mesmo tempo, essa é a grande vantagem, pois, metodologicamente, se montarmos as aulas de história a partir das ideias históricas que os jovens mobilizam quando leem essas HQs poderemos construir aulas que gerem sentido de orientação histórica para os jovens.

      Espero ter respondido a contento,

      Abraços,

      Marcelo Fronza
      fronzam08@gmail.com

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  17. Boa noite!
    O cenário educacional brasileiro tem passado por grandes mudanças desde o final do ano, algo já previsto, uma delas apresentada hoje em comemoração aos 100 dias de governo demonstrou o desejo de oferecer educação domiciliar, uma forma aparente de descaracterizar uma das funções da escola . Nesse contexto se anuncia aparentemente um regressão ao avanço dado pela educação após o golpe militar encerrado em 1985, que evidencia também socializar a criança com o contexto/sociedade que é inserida. Você acredita que as próximas HQS trarão reflexões a cerca de questões sociais e das várias mudanças já anunciadas mesmo que ainda de forma velada em alguns campos? De que maneira?

    Abraço,
    Lucinalva de Almeida Silva
    lucinalvalmeidasilva@gmail.com

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    1. Bom dia, Lucinalva,

      Excelente pergunta

      Sim, as HQs (sejam as ficcionais, sejam as (auto)biográficas e/ou historiográficas)trazem reflexões sobre esse contexto conturbado do Brasil, pois muitas delas por meio das histórias difíceis que veiculam trazem os conflitos do passado a partir dos antagonismos sociais do presente.
      Por exemplo: essa falsa ideia do individualismo pautado na ideologia da "livre escolha" do sujeito, por vezes é desmascarada nas HQs. O que eu quero dizer é que apesar da grande mídia e das redes sociais virtuais divulgarem as ideologias neoliberais do governo de que os filhos devem ser educados em casa,de que os trabalhadores devem se tornar empreendedores, e tenham uma visão anti-Estado, etc., várias pesquisas sociológicas e da ciências políticas indicam que historicamente os brasileiros gostam e desejam em sua maioria um governo forte voltado para o bem estar social, mas conservador nos costumes. Daí os mitos sobre a volta da ditadura presentes na mentalidade de nossos pais e das nossas crianças, mas também o amor de nossos avós e bisavós por Getúlio Vargas (que representavam miticamente estados fortes e conservadores. Lembre-se deles falando da qualidade da educação nas escolas públicas da era Vargas). As Hqs lidam muito bem com essas estruturas de sentimentos seja a do estado forte e autoritário defendida por militares e empresários, seja a de uma sociedade libertária e igualitária pautada num sentimento de dissidência humana radical defendido pelas pessoas que resistiram à ditadura.

      Não sei se respondi sua questão.

      Um abraço,

      Marcelo Fronza
      fronzam08@gmail.com

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  18. Ao fazer uma análise do posicionamento dado pelos cartunistas utilizando personagens ficcionais sobre a ditadura militar brasileira compreendida entre os anos 1964-1985, é possível identificar também a representação de histórias reais que denunciavam o regime imposto e a violação dos direitos humanos. Tal contexto nos chama a reflexões a cerca de um passado traumático e não tão distante,o qual foi lembrado por eventos por todo o país no dia 31/03 para memorar aqueles que foram mortos e outros tantos, nunca encontrados. Qual sua análise a cerca da recente tentativa de descaracterização do Golpe de 1964?

    Abraço,

    Lucinalva de Almeida Silva
    lucinalvalmeidasilva@gmail.com

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    1. Bom dia, Lucinalva,

      Pergunta intrigante,

      Defendo que as redes sociais estão utilizando uma concepção incorreta para esse fenômeno pautado nas teorias da conspiração originadas por publicistas reacionários estadunidenses amplificados pelo debilóide do Olavo de Carvalho: a mídia está chamando o que eles fazem de "revisionismo". O conceito está errado. O que de fato esses idiotas divulgam e fazem são mentiras, falsidades e invenções de estereótipos (teorias da conspiração). Não podemos nem chamar de "erros históricos" o que eles divulgam, pois o erro, na ciência e na aprendizagem, geralmente é não intencional, pois acontece quando não conhecemos as perspectivas em jogo quando buscamos compreender os acontecimentos e processos históricos.

      Não há historiador competente e profissional que afirme que não houve um golpe de estado em 31 de março de 1964, que havia um "perigo comunista" na época e que o regime de exceção não foi uma ditadura militar. Se defender isso não é historiador, mesmo que tenha um diploma, pois é a prova de que ele não investiga suas afirmações que divulga e/ou ensina. A ciência histórica já pôs uma pedra nesse assunto: 1964 foi um golpe de estado, não havia perigo comunista e o regime foi, sim,uma ditadura militar. Não há nenhuma prova sólida que contrariem essas informações. O que pode-se historiograficamente discutir é quem participou ou foi mais relevante nesses processos, quais as motivações dos golpe e da instalação de uma ditadura, essas coisas.

      Não sei se respondi direiro sua pergunta,

      Um abraço,

      Marcelo Fronza
      fronzam08@gmail.com

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  19. Professor obrigada por compartilhar o seu trabalho. Minha pergunta é: é possível,ou há espaço para pensarmos as HQs de cunho vingativo e de rememoração histórica dos vencidos, através da linguagem literária gráfica também como uma forma de denúncias ao crimes ocorridos na ditadura que tanto censurou suas vitimas?
    Muito obrigada Isabela Bolzan Favarão
    belainverno@gmail.com

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  20. Bom dia, professora,

    Boa questão.

    Sim, é possível sim. Pois essas formas de histórias difíceis carregam a dimensão humanista do sofrimentos humano. As narrativas de vingança e de rememoração das vítimas derrotadas pela violência ditatorial já são uma crítica à história dos vencedores e ao esquecimento conveniente mobilizado pelas ideologias dominantes. E mais, a negação positivada dessas histórias de vingança e de rememoração dos sonhos dos vencidos estruturam uma contra-consciência histórica anticapitalista e libertadora por meio das estratégias de reconciliação mútua.

    Trabalhar históricas em quadrinhos (ficcionais ou não) sobre a ditadura militar brasileira considerando as ideias e valores dos estudantes, é sim construir a consciência crítica defendida por Paulo Freire.

    Espero que eu tenha respondido.

    Marcelo Fronza
    fronzam08@gmail.com

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