Thiago Acácio Raposo [2]


A HISTÓRIA NA ERA GOOGLE: O PAPEL DO HISTORIADOR PÚBLICO DIGITAL FRENTE ÀS ARMADILHAS REVISIONISTAS

#Ciberhistória
De acordo com Serge Noiret (2015), o advento da internet dissolveu a visível distinção entre história acadêmica e as práticas públicas em relação ao passado, oferecendo o acesso à documentação histórica e a comunicação nas formas de “ego-narrações” referentes ao passado. A Web 2.0 permitiu uma maior interação entre a narrativa histórica e os leitores, aonde esses ganham a possibilidade de participar dessa construção por meio de comentários, sugestões e, até mesmo, correções. Para o autor,
“A ‘história digital’ (digital history), que disciplina a relação entre as tecnologias de rede e a disciplina história, por meio das plataformas sociais e das mídias sociais, contribuiu, assim, para abrir a um público maior, e também de forma participativa, à “alta cultura” e, nos melhores casos, com a mediação de historiadores profissionais, os historiadores públicos” (NOIRET, 2014: 34). 
A partir desta segunda geração (Web 2.0), devemos observar a história como algo mais “vivo” e “público”, compreendendo que os integrantes desses mares participam de forma autônoma, ativa e interativa. Tais percepções nos remetem ao fazer da História da década de 1980, pautado numa narrativa linear e vertical.
Em torno do que se convencionou chamar de uma historiografia digital, Lucchesi (2014) desenvolveu em seu trabalho dissertativo, ‘Digital History e Storiografia Digitale: estudo comparado sobre a escrita da história no tempo presente (2001-2011)’, um estudo comparativo entre a história digital estadunidense e a italiana, buscando identificar as semelhanças e as diferenças entre as correntes de pensamento historiográficas que se debruçam sobre a relação entre história e internet. Seu trabalho foi fundamental para abrir um leque de possibilidades e questionamentos para se pensar a importância dos historiadores na análise dos dados produzidos e/ou transportados pelos oceanos digitais, evidenciando a necessidade de reflexão sobre o papel exercido por estes sujeitos.
A autora localizou pontos de anuência e discordância entre as correntes, todavia, ambas percebem que a oficina histórica sofre profundas transformações na era digital. Nos EUA, as preocupações giram em torno da conservação e manipulação da documentação digital, dos aspectos metodológicos e estéticos ligados a escrita digital e do compartilhamento do conhecimento histórico na web. Já na Itália, discute-se questões ligadas a aceleração do tempo, ao estabelecimento de critérios de verificabilidade documental e a “desterritorialização” das narrativas históricas. Mesmo focando em questões diferentes, ambas as propostas se colocam frente as problemáticas surgidas no ambiente virtual. Aqui, assumiremos uma tentativa de conciliar ambas as propostas no processo de interpretação dos dados, elemento indispensável para a oficina da história. Lucchesi (2014), não assumiu essa posição conciliadora, mas apontou possibilidades de anuência.
Para Carlo Ginzburg (2010), historiador italiano, estamos vivendo a Era Google, ou tão somente a Era Ciber, de uma: cibersociedade, cibercidadania, ciberlinguagem, cibercrime, ciberbullyng, ciberconteúdo. De acordo com ele, o Google, e consequentemente a internet, funciona como um poderoso instrumento de pesquisa histórica, mas também de cancelamento dela, ao passo que o mundo virtual provoca uma dimensão anti-histórica a vida humana, dissolvendo o passado e fragilizando os conceitos de presente e futuro.
O ponto apresentado pelo historiador italiano tem certo sentido, mas precisa ser visto com cautela. Afirmar que o digital dissolve a relação com o tempo é negar a própria existente da rede no tempo, ao passo que também reduz a capacidade de reinvenção do ser humano, agarrando-se em verdades preestabelecidas que determinam a maneira exata do sujeito lidar com o chronos. Desde o surgimento da humanidade a noção de tempo vem sofrendo transformações. O Rizoma estabelece novas relações entre os sujeitos e os saberes, cuja fluidez e multiplicidade soam estranhos aos olhos daqueles, cuja visão de mundo prevalece o cartesianismo (DELEUZE; GUITTARI, 1995). O modo como as pessoas sentem varia em decorrência com a visão de mundo, esta, por sua vez, vinculada a fatores sociais, culturais, econômicos, políticos etc. Por tanto, é válido a percepção de que este oceano virtual acabe por transformar os sujeitos que nele mergulham, todavia, isto não provocaria o fim da história, apenas a transformação dos sentidos sobre ela.
O pesquisador observa que o hábito de não preservação dos dados virtuais contribuiria para um processo de apagamento da história. Mas, em qual momento da história não houve o processo de destruição documental? Tal preocupação permeia, o discurso de praticamente todos os historiadores que trabalham com o universo digital. É um problema real, para o qual não existe ainda uma solução.
No que corresponde a cultura material, diante de tal situação imaginária, sabemos, por uma questão de lógica, que em poucos anos não haveria espaço sequer para andar pelas ruas. No universo virtual a situação não é tão diferente. A grandiosidade desse oceano provoca a falsa percepção de infinidade, prejudicando a noção espacial da maioria dos sujeitos que veem a internet como uma bolsa mágica aonde é possível guardar tudo, sem nunca encher. É preciso estabelecer critérios de preservação, garantindo a sobrevivência de uma parte da documentação e determinando aquilo que deve ser guardado, cabendo esta tarefa aos historiadores e aos outros profissionais que lidam com a memória.    
Dilton Maynard (2011), historiador brasileiro, também se preocupa com a problemática da “dissolução do passado”. Para ele, as possíveis manipulações da história que podem ser feitas na internet colocariam em risco o próprio passado. De fato, as águas digitais possibilitam e alavancam as tentativas de revisionismos e negacionismos históricos, já que o alcance dessas produções, antes restritas a pequenos grupos na era analógica, atingem públicos cada vez maiores graças a mundialização do ciberespaço. De acordo com o autor:
“Em inversões interpretativas, os algozes são vítimas, qualquer tipo de documentação que evidencie tortura, prisão, assassinatos e a racionalização das mortes em campos de concentração e câmaras de gás é descartada como ‘falsificação’ [...] Em meio a apropriações simbólicas e batalhas de memória, estes portais são exemplos de ferramentas eletrônicas dedicadas a promover uma leitura intolerante da história sob pretensa pátina de luta por liberdade de expressão” (MAYNARD, 2011:45).
O foco de análise do historiador é o surgimento de comunidades neonazistas e neofascistas no ciberespaço. Tomaremos essa proposta como exemplo para analisar brevemente uma série de eventos que, por serem recentes, ainda carecem de estudos mais aprofundados. Iremos esboçar algumas considerações sobre a atribuição da etiqueta “esquerda” para o movimento nazista por usuários de rede mundial de computadores no Brasil. 
#Nazismo #esquerda
Desde o começo desse século, é possível observar o “renascimento” de movimentos políticos de extrema-direita (LÖWY, 2015), cujos pensamentos alinham-se a ideias racistas, xenófobas, machistas, homofóbicas e conservadoras. Tais ideias se espalham pela rede mundial de computadores, ganhando proporções gigantescas, burlando as autoridades policiais (MAYNARD, 2011) e ganhando cada vez mais adeptos.
A hipertextualidade é utilizada por estes sujeitos para direcionarem seus usuários para outros endereços de conteúdo semelhante, criando uma lógica argumentativa, cujas bases de “prova” do que é dito se encontram nessa referencialidade. Por conta do princípio “democratizador” da web, os viajantes dos oceanos digitais acabam por desembarcar em ilhas de conteúdo duvidoso, mas que respondem aos anseios de grande parte da população por apresentar um conteúdo simples e baseado em senso comum e apelo moralizante.
No Brasil, um clima de guerra ideológica foi instaurado desde 2013, quando uma série de manifestações aconteceram, colocando sob dúvida a capacidade de governabilidade da presidenta Dilma Rousseff. A maior parte desses eventos foram organizados e divulgados pelas redes sociais, evidenciando um poder até então desconhecido (COIMBRA & ABREU, 2018). Milhões de pessoas foram as ruas bradar palavras de ordem, contra a corrupção, a desigualdade social, o preço da passagem dos transportes públicos etc. Baseado em um “apartidarismo”, a maior parte dos manifestantes se negavam a erguer qualquer bandeira política. O grupo anarquista internacional Anonymous, reivindicou para si a organização das manifestações. Em pouco tempo as manifestações acabaram, mas as críticas não.
Em 2014, a presidenta se reelegeu em meio a uma das mais apertadas eleições presidenciais. O clima de divisão política se intensificou e viu-se emergir nas redes sociais páginas conservadoras, autointituladas de direita, que se apropriaram das críticas apresentadas nas manifestações para iniciar um processo de descrença do atual governo, culpabilizando o Partido dos Trabalhadores (PT) por todos os problemas enfrentados pelo país. Por oferecer respostas simples, com propostas de solução de mesmo modo, esses grupos acabaram por atrair cada vez mais brasileiros (DEODATO & SOUSA, 2018).
Mesmo após o Impeachment da presidenta Dilma em 2016, o discurso de ódio tomou proporções cada vez maiores. As fakenews surgiram como uma ferramenta de grande impacto para divulgação de notícias falsas pela web, sendo amplamente utilizadas por estes grupos. É consenso entre os historiadores pelo mundo, independente de orientação política, que o Nazismo foi um movimento de extrema-direita, inexistindo discussões em torno desse fato. No Brasil, a situação se tornou tão complexa que até mesmo a embaixada alemã resolveu explicar o porquê da posição dos historiadores.
Um vídeo fora publicado na página do Facebook da embaixada, aonde era exposto um resumo sobre esse trecho da história alemã e como ela era ensinada por lá. A publicação se transformou em um campo de batalha, aonde muitos brasileiros afirmavam que tanto os historiadores quanto a embaixada estavam errados sobre o assunto. Na figura abaixo podemos observar a captura de tela de um comentário revisionista na publicação da embaixada:


FIGURA 1- COMENTÁRIO ENQUADRANDO O NAZISMO COMO UM MOVIMENTO DE ESQUERDA

A repercussão do caso chegou a ser retratada pela imprensa internacional, a exemplo do The Washington Post, aonde o tom de sarcasmo é amplamente utilizado para se referir aos revisionistas brasileiros. A matéria analisa alguns desses comentários, explicando historicamente os equívocos apresentados. Dentre os questionamentos oferecidos à página localizamos inclusive um comentário que nega a existência do holocausto, estabelecendo um elo discursivo entre essas falas e às páginas de extrema-direita estudadas por Maynard (2011).
Uma história sem historiadores toma conta das redes sociais, dos sites, blogs, enfim, da internet (LUCCHESI, 2014). Há um processo de descrença e desaprovação do ofício do historiador, assim como uma tentativa de apagar o passado, ou pelo menos parte dele. Tais acontecimentos põe em evidência a necessidade de atuação do historiador como um intermediador do processo de construção do conhecimento histórico no oceano digital. Seu ofício precisa ser respeitado também nos espaços virtuais. Ao historiador desse novo século o uso da ciberlinguagem pode ser uma ferramenta importante para debater sobre essa onda de conservadorismo e de negacionismo. Para enfrentar esse inimigo é preciso fazer uso das mesmas ferramentas, distanciando-se no que concerne a ausência de criticidade documental. É preciso seduzir os usuários por meio de uma história de base acadêmica, mas que também se organiza por meio de hipertextos, possuindo uma linguagem que atinja a todos os públicos.
Exemplo dessa apropriação, o Café História se configura como o maior site de História Pública Digital do país. Seu maior objetivo é estabelecimento de um diálogo entre a comunidade acadêmica e o grande público, oferecendo um conteúdo dinâmico, atrativo e interconectado. O hipertexto e a hipermídia prevalecem, em um jogo visual que distribui os vários hiperlinks de maneira inteligente, atraindo o clique dos visitantes, historiadores ou não. A existência de endereços virtuais com propostas semelhantes ao Café História, colocam em evidência a preocupação dos historiadores perante as novas demandas, fortalecendo, desse modo, a identidade desses sujeitos e o seu oficio.
A hipertextualidade provoca uma série de mudanças na maneira de investigar, ler e sentir as experiências do passado, que respiram no presente por meio da interação de um público participativo na construção da narrativa. O ambiente virtual acaba por provocar alterações sensoriais na relação do homem com o tempo, processo isso que implica a necessidade da presença do historiador público com o objetivo de garantir que o grande público não padeça perante o presentismo, o anacronismo ou o revisionismo.
Estudar o tempo presente é perceber que esse espaço está inserido entre o passado e o acontecimento recente. Ao construir uma história sobre as antigas civilizações ocidentais, o historiador não deixa de lado a contemporaneidade, mesmo que inconscientemente, uma vez que lança mão do olhar do presente, de suas indagações, motivações e ferramentas, para escrever o passado. “ O homem não se lembra do passado, ele o reconstrói sempre... Ele parte do presente – e é por intermédio dele, sempre, que ele conhece, que ele interpreta o passado” (FEBVRE apud DOSSE, 2012:8). O tempo presente é um conceito
“[...] que remete em sua acepção extensiva ao que é do passado e nos é ainda contemporâneo, ou ainda, apresenta um sentido para nós do contemporâneo não contemporâneo. A noção de “tempo presente” se torna nesse contexto um meio de revisitação do passado e de suas possíveis certezas, como também as possíveis incertezas. A distância temporal que nos separa do passado se transforma, porque até então considerada uma desvantagem, ela se transforma em uma sedimentação de camadas sucessivas de sentido que expandem o seu alcance graças a maior profundidade” (DOSSE, 2012:11-12).
Um dos grandes desafios dos historiadores públicos digitais e do tempo presente, gira em torno dos arquivos recentes, ainda não hierarquizados e sistematizados. A poeira dos arquivos físicos não corresponde à realidade do mundo virtual, inflacionado pelo gigantesco oceano de informações e por um público presente na construção destes espaços de memória. Escrevemos uma história que está sob constante vigilância de testemunhas que podem questionar qualquer narrativa histórica que eles não reconheçam, ou ainda de um encontro com uma nova fonte\dado que mude o rumo da narrativa já produzida.
Por isso, diante das transformações culturais possibilitadas pelo rápido avanço tecnológico, faz-se necessário o surgimento de uma nova geração de historiadores, os “historiadores públicos digitais”. Esses profissionais assumem a tarefa de enquadrar cientificamente o trabalho de coleta de dados e a gestão de novos tipos de documentos digitais, catalogando, filtrando, organizando e interpretando dados do passado e de suas memórias. O historiador público digital deve, neste formato, oferecer-se como intermediário nas relações entre o grande público, a memória e a história na rede. De acordo com Noiret:
“O historiador público deve poder fazer mediação com as formas públicas de conhecimento do passado que a rede oferece, contribuindo na primeira pessoa à narrativa do passado em meios virtuais. Construir uma história pública digital que seja capaz de fazer frente e de mediar de modo critico a manifestação incessante das memórias privadas – e das memórias embalsamadas – é certamente um papel profissional estimado ao trabalho do ‘publichistorian’ ” (NOIRET, 2015:40).
A Era Ciber possibilita a construção de saberes baseados na participação dos diversos sujeitos sociais, contribuindo para um conhecimento mais democrático. A informação é produzida pelo público e para o público, necessitando de um direcionamento oferecido por aqueles que possuem uma base acadêmica. A criticidade documental representa, para o campo da história, uma guinada para o aperfeiçoamento do conhecimento público, dando vozes a memórias e histórias individuais que estavam destinadas a o silêncio do desconhecimento. Parte-se de um rigor metodológico que atende as especificidades de uma história construída a várias mãos (literalmente). 
Conclusão
Observa-se a necessidade de atualização do oficio do historiador para se adaptar as novas realidades comunicacionais e sociais, reinserindo o saber produzido por este grupo em um universo que contemple a multiplicidade, valorizando as experiências individuais e direcionando a construção de uma História Pública Digital. Os negacionismos e os revisionismos, aliados ao anacronismo, oferecem um risco eminente para a preservação e difusão do saber histórico cientifico, pautado em regras próprias da área de saber. Desse modo, cabe aos historiadores do século XXI duas tarefas demasiadamente difíceis: a de lidar com o excesso de informações característico do ciberespaço e a de transformar esses documentos em uma narrativa palpável, transpassada pelas regras científicas e ao mesmo tempo atrativa para o grande público.
Referências
Thiago Acácio Raposo, nascido e criado em Campina Grande - cidade do interior paraibano -, atua como professor de História na rede pública estadual e na rede privada. Possui graduação em História pela Universidade Estadual da Paraíba e é aluno da Pós-Graduação em História pela Universidade Federal de Campina Grande.

COIMBRA, C. M. B.; ABREU, A. M. 1968 in France – 2013 in Brazil: Happenings-Resistances. Revista Direito e Práxis, v. 9, n. 2, p. 1100-1121, 2018.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 1, São Paulo, Editora 34, 1995.

DOSSE, F. História do tempo presente e historiografia - historyofthepresent time andhistoriography. Tempo e Argumento, v. 4, n. 1, p. 05-22, 2012.

Facebook da embaixada alemã no Brasil. Como se ensina história na Alemanha. In:  https://www.facebook.com/EmbaixadaAlemanha/videos/1658739200897794, 2019

GINZBURG, C. História na Era Google. 2010. In: https://www.youtube.com/watch?time_continue=57&v=wSSHNqAbd7E, 2018.

LÖWY, M. Conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil. Revista Serviço Social e Sociedade, n. 124, 2015.

LUCCHESI, A. Digital history e storiografiadigitale: estudo comparado sobre a escrita da história no tempo presente (2001-2011). 2014. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ​​ Brasil.

MAYNARD, D. C. S. Escritos sobre história e internet. Rio de Janeiro: FAPITEC/ Luminárias, 2011.


NOIRET, S. História Pública Digital│ Digital Public History. Liinc em Revista, v. 11, n. 1, 2015.

NOIRET, S. Internationalizing public history. Public History Weekly, v. 2, n. 34, Sept. 2014.

10 comentários:

  1. Corrigindo algumas passagens, acabei mandando a versão errada para o vento:

    [Sétimo paragrafo] O ponto apresentado pelo historiador italiano tem certo sentido, mas precisa ser visto com cautela. Afirmar que o digital dissolve a relação com o tempo é negar a própria existência da rede no tempo, ao passo que também reduz a capacidade de reinvenção do ser humano, agarrando-se em verdades preestabelecidas que determinam a maneira exata do sujeito lidar com o chronos.[...]

    [Nono paragrafo] No que corresponde a cultura material, diante da situação imaginária de preservação de tudo, sabemos, por uma questão de lógica, que em poucos anos não haveria espaço sequer para andar pelas ruas. No universo virtual a situação não é tão diferente. A grandiosidade desse oceano provoca a falsa percepção de infinidade, prejudicando a noção espacial da maioria dos sujeitos que veem a internet como uma bolsa mágica aonde é possível guardar tudo, sem nunca encher. É preciso estabelecer critérios de preservação, garantindo a sobrevivência de uma parte da documentação e determinando aquilo que deve ser guardado.

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  2. Prezado Thiago, sua proposta é muito interessante. Quero te fazer uma pergunta: o revisionismo não atinge somente a história contemporânea/do tempo presente; antes, se espalha por todo tecido historiográfico (os africanos escravizados contribuíram para a escravidão, a civilização sempre foi branca, a narrativa bíblica é factual, e assim por diante. Há como refletirmos sobre esses temas não atuais?

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    1. Olá, bom dia. Agradeço sua leitura e sua pergunta.
      Então, como você mesmo disse, o revisionismo está presente, arrisco dizer, em todos os temas abordados pela história. Os deveres éticos de nossa profissão se atualizam a todo momento e, por isso, se faz mais do que necessário a atuação dos profissionais capacitados no ciberespaço. Não importa qual temática esteja sendo "revista", é preciso combater essa prática que reduz a importância de nosso oficio. Tomo por base a premissa de que toda história é contemporânea para refletir sobre essa onda revisionista. Por exemplo, aqueles que atribuem a figura de Zumbi uma feição escravocrata e perversa, o fazem com o objetivo de minar as bases ideológicas do atual Movimento Negro. É preciso nos posicionarmos frente a qualquer tentativa de negacionismo. Nossa fala se faz importante nas salas de aulas, nos textos acadêmicos, entre nossos pares... mas também, nas redes sociais. Aos poucos, o historiador da era analógica cederá lugar para o da era digital, se atualizando perante as novas demandas sociais e culturais.

      Thiago Acácio Raposo

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  3. Michell Alves de Almeida Ricarte9 de abril de 2019 às 18:49

    Olá Thiago. Teu tema é bem interessante. A partir de teu texto podemos notar que as pessoas não acadêmicas também analisam as conjunturas políticas a partir de seus pontos de vistas e conhecimentos construídos que por vezes estão bem longe da "veracidade histórica" (como essa ideia de que nazismo é de esquerda só por que tinha no nome do partido a palavra "socialista"). Minha pergunta é a seguinte: como podemos trabalhar todo esse material (re)produzido nas redes sociais enquanto fontes históricas? Michell Alves de Almeida Ricarte

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    1. Olá Michell, bom dia. Agradeço sua leitura e contribuição.
      Então, assim como toda e qualquer fonte histórica, os arquivos digitais precisam ser analisados de maneira crítica. Diante desse posicionamento, o historiador buscará nos vestígios disponíveis os indícios de confiabilidade documental. Se o documento for "confiável", segue o processo de analise crítica. Se não, segue o processo de analise crítica sobre a falsificação. Dependendo da linha teórica seguida pelo pesquisador, outros caminhos podem se desdobrar.
      Ainda não existem, que eu saiba, orientações metodológicas bem definidas para o trato da documentação digital. Os historiadores que se debruçam sobre o mundo virtual se apropriam das metodologias elaboradas para o mundo analógico, fazendo, evidentemente, as devidas adaptações. Espero ter te ajudado!

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  4. Prezado Thiago, bastante interessante seu trabalho.
    Principalmente quando pensamos no contexto político e social que estamos vivendo no Brasil e a influência das redes sociais. Gostaria de saber os critérios que você acredita que devem ser utilizados pelos historiadores e os profissionais que lidam com a memória no momento de selecionar o que deve ser preservado.

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    1. Olá, boa tarde. Então, você me fez uma pergunta imensamente difícil. Todos os dias me faço a mesma pergunta e, sinceramente, não obtenho a resposta para tal.
      Lamento.

      Thiago Acácio Raposo

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  5. Adorei o texto, Thiago, parabéns! Deixo aqui a sugestão não só para você, mas para os colegas historiadores que passarem por esta seção o canal no youtube Tese Onze, no qual uma ótima pesquisadora faz essa ponte, que às vezes parece inimaginável, entre a academia e a sociedade.
    Enquanto historiadores públicos e digitais todos temos essa responsabilidade, mas pra mim fica o questionamento, e queria saber sua opinião, quais estratégias PRÁTICAS podemos tomar pra orientarmos nossos educandos sobre essas atitudes revisionistas e como tornar a história feita por historiadores mais interessante? São tempos sombrios e creio que as visões de todos são engrandecedoras.

    Kaio Matheus da Silva Gama

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    1. Olá, boa noite. Obrigado por suas palavras.
      Então, acredito que a maneira mais eficiente de chamar a atenção de nossos discentes seja através do uso das tecnologias em sala de aula. Tal contato se apresenta de maneira mais tranquila na rede privada. Nas escolas públicas, esse contato se torna mais difícil, mas não impossível. Em uma das escolas públicas que trabalho, usar a internet é praticamente impossível, por conta da falta material. Nesse caso, imprimo diversas matérias de blogs revisionistas e levo para a sala. Mando eles compararem as informações com as que estão no livro didático e peço a opinião deles sobre qual seria a narrativa mais confiável. Após a fala deles, reforço a ideia de cientificidade e criticidade presente nos manuais didáticos, de modo a construir uma linha argumentativa de valorização do conhecimento produzido pelos profissionais.

      Sobre a atratividade, acredito que a maneira mais adequada parta da premissa do uso da ciberlinguagem, aonde o hipertexto predomina. É preciso adaptar nossa fala para atingir um público mais amplo.

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