CINEMA
BRASILEIRO E ENSINO DE HISTÓRIA NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL
DE SANTA CATARINA (UFSC)
O presente trabalho
tem como objetivo investigar as práticas concernentes à utilização de filmes
brasileiros nas aulas de História do Colégio de Aplicação da UFSC. Utiliza-se
como justificativa a Lei 13.006, que determina a exibição de duas horas mensais
de filmes de produção nacional em todas as escolas de educação básica do país
(BRASIL, 2014). As fontes de investigação para o trabalho são as transcrições
de entrevistas realizadas com cinco professores/as de História do referido
colégio entre os meses de maio e julho de 2017.
Os/as cinco
professores/as entrevistados/as foram Camilo, Fernando, Gláucia, Karen e
Manoel. Todos/as possuem formação na área de História, incluindo pós-graduação
(em alguns casos na área de educação). As professoras Karen e Gláucia,
inclusive, dedicam-se a pesquisar a relação entre cinema e educação em suas
trajetórias acadêmicas.
O Colégio de Aplicação
da UFSC está localizado no Campus Universitário João David Ferreira Lima,
Bairro Trindade, Município de Florianópolis/SC. Existe desde o ano 1961, e
abrange os anos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. A forma de ingresso no
colégio é via sorteio público (COLÉGIO DE APLICAÇÃO UFSC, 2017).
De acordo com o Professor Manoel, entrevistado durante
o processo de pesquisa, a seleção via sorteio dá origem a turmas bastante
diversas no que diz respeito ao perfil cultural e socioeconômico dos
estudantes:
“A gente tem aluno muito carente, porque a escola é
pública, sorteio público, e a gente tem aluno que vai para o exterior
anualmente. São sorteadas as vagas, então isso cria um perfil bastante diverso
e um perfil de interesse, de olhar sobre isso, muito diversificado [está se
referindo ao interesse dos estudantes pelo cinema, especialmente o cinema
brasileiro]. É uma escola muito heterogênea. Me parece inclusive que quando
chega para o ensino médio esse perfil vai se diluindo um pouco mais. No
fundamental isso é muito evidente. Pessoas com realidades completamente
diferentes (MANOEL, 2017, p. 04).”
Enquanto
escola experimental, o Colégio de Aplicação tem proporcionado o desenvolvimento
de experiências pedagógicas e estágios supervisionados para os cursos de
Licenciatura e Educação, segundo as exigências da Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996).
No que diz respeito ao
ensino de História dentro do colégio, é importante destacar que existe uma lógica
distinta daquela proposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1998) para a disciplina. Normalmente, os conteúdos curriculares da disciplina
de História nas escolas se iniciam a partir da chamada Pré-História e
Antiguidade no 6º ano e seguem uma linha cronológica por meio dos livros
didáticos, que passa pela Idade Média e Idade Moderna, Brasil Colônia e
Império, até chegar à História Contemporânea em nível global e ao Brasil
República no 9º ano. A partir do 1º ano do Ensino Médio, se inicia a mesma
cronologia até o 3º ano, porém de maneira mais aprofundada de acordo com as
competências desenvolvidas pelos/as estudantes. No Colégio de Aplicação não
existe uma repetição de conteúdos entre Ensino Fundamental e Ensino Médio. A
organização cronológica do conteúdo se estende entre os dois níveis, iniciando
na Pré-História e na Antiguidade no 6º ano do Ensino Fundamental, e se
encerrando com a História Contemporânea e do Brasil Republicano no 3º ano do
Ensino Médio, em um sistema de continuidade.
Todos/as os/as
cinco professores/as se mostraram receptivos ao uso de audiovisuais em suas
aulas. E quando falo em audiovisuais, incluo filmes nacionais e estrangeiros,
documentários, animações, curtas-metragens, entre outras formas. De uma maneira
geral, os/as professores/as questionaram se eu gostaria que eles me contassem
apenas as experiências com cinema brasileiro, ou se poderiam falar sobre
outras. Em determinados momentos das entrevistas busquei centralizar a questão
de audiovisuais brasileiros, mas deixei em aberto para que pudessem me contar
sobre todas as experiências possíveis.
Como comentado
anteriormente, a estrutura de organização dos conteúdos de História no
Aplicação envolve uma continuidade entre o ensino fundamental e o ensino médio,
ao invés de uma repetição dos assuntos. Isso interfere na temática que
desenvolvo na medida em que alguns professores acabam trabalhando com turmas em
que o assunto História do Brasil não é questão central. Um exemplo é o caso do
Professor Manoel ao trabalhar com as turmas do 7º ano, em que se discute Idade
Média. Por questão de recorte, escolhi selecionar para a análise em sua maioria
trechos onde os/as professores/as me contaram suas experiências com
audiovisuais produzidos no Brasil.
Um dos meus
primeiros questionamentos estava em saber se os/as estudantes do Aplicação
costumam se interessar pela cinematografia brasileira. Minha dúvida era
essencialmente entender se durante as aulas de História com audiovisuais as
turmas tinham alguma forma de recepção diferente entre um filme hollywoodiano
ou um filme nacional. De acordo com o Professor Fernando:
“Assim, quando
vamos assistir filme “Eeee, vamos assistir filme!” [entonação] “Que filme é,
professor?” É um filme brasileiro! “Aaaaai não, filme brasileiro é chato!”. De
novo, essa construção social, esse preconceito que a gente tem com o cinema
nacional. Mas isso se encerra, ao longo das aulas não existe mais essa
resistência. Eu não percebo muito. Eu acho que... Não sei se sou eu que não
percebo ou se sou eu que não dou muita atenção, mas na maioria das vezes eles
gostam dessa discussão!” (FERNANDO, 2017, p. 29).
Já para o Professor
Manoel:
“Eu acho que mais
do que o nacional e o internacional, que é evidente que acontece, é a questão
do circuito comercial. Porque como professor eu percebi também uma mudança nos
últimos tempos de uma acessibilidade muito maior e de uma divulgação muito
maior do cinema nacional, do ponto de vista comercial” (MANOEL, 2017, p. 05).
O
Professor Camilo complementa essa discussão ao lembrar a preferência dos/as
estudantes por determinadas temáticas:
“Eles
gostam muito mais de um tema, por exemplo, como a ditadura militar. Eles
adoram! [...]. Esse assunto pra eles é algo que interessa muito. Eles ficam
muito fissurados. As coisas dos filmes, da luta armada, da guerrilha, eles
acham fantástico! Então isso prende a atenção deles” (CAMILO, 2017, p. 49).
Como podemos perceber,
a preferência por temáticas e a diferenciação entre o cinema comercial e o
cinema de arte acaba sendo mais evidente entre os/as estudantes do que
propriamente entre cinema brasileiro e internacional. Se existe alguma
preferência por superproduções de Hollywood em detrimento de filmes
brasileiros, isso tende a ser algo inicial apenas. Manoel lembra que devido a
estratégias como a transformação de séries televisionadas em filmes, por
exemplo, o alcance dessas produções se torna maior entre o público. Vale
lembrar como no Brasil existe historicamente um apelo do público muito mais
significativo para a TV do que para as salas de cinema (MARSON, 2006, p. 65). O
cinema comercial envolve orçamentos maiores de produção, ocasionando também uma
maior divulgação nas diversas mídias, além de comumente envolver diretores/as e
atores/atrizes já conhecidos por meio da TV.
Nas aulas do 9º ano, o
Professor Fernando costuma utilizar “Caramuru – A Invenção do Brasil” (2001).
Trata-se de um exemplo clássico de série televisionada que virou filme.
Inicialmente produzida pela Rede Globo de Televisão como uma minissérie de
cinco capítulos que foram exibidos no ano de 2000 no horário das 22 horas da
noite, a trama depois se transformou em filme e foi exibida nos cinemas. De
acordo com o site “Memória Globo”:
“A minissérie foi
produzida pela TV Globo como parte dos eventos comemorativos dos 500 anos do
Descobrimento do Brasil. Já trabalhando juntos há dez anos, os autores [Guel
Arraes e Jorge Furtado] tomaram como base para o roteiro as obras de José de
Alencar e Mário de Andrade, além do poema épico de Santa Rita Durão, “Caramuru”.
O título da minissérie teve como inspiração o prefácio do livro A Fundação do
Brasil, de Darcy Ribeiro. A intenção da emissora de integrar cinema e
televisão, iniciada com “O Auto da Compadecia” (1999), teve continuidade com a
minissérie, que, em 2001, foi exibida nas telas de cinema com o título “Caramuru
- A Invenção do Brasil”” (MEMÓRIA GLOBO, 2017).
Fernando contou sobre
a sua experiência pessoal como espectador de “Caramuru”:
Eu lembro
que eu assisti como espectador da Globo [risos] no ano 2000, a série “Caramuru”,
na semana de comemoração dos 500 anos do Brasil. E eu adorei! Só que naquele
momento eu já estava terminando o 3º ano do ensino médio. Então, embora eu
tivesse uma perspectiva de história, aquilo me incomodava. “Pera aí, será que
isso é verdade?”. Então aquilo me incomodava muito, e depois que eu comecei a
trabalhar no 9º ano com “Caramuru” foi na minha perspectiva dele como artefato
cultural (FERNANDO, 2017, p. 20-21).
É
necessário pensar aqui a perspectiva crítica que Fernando sugere em relação a “Caramuru”.
Nesse momento, para além de pensar a educação, estou pensando especificamente a
educação histórica. Sugiro conectarmos pontos de vista sobre o método
educacional mais recente e o método histórico de se tratar o cinema.
Defende-se
que o filme seja menos uma ferramenta pedagógica que uma obra de arte a ser
experimentada pelos/as estudantes durante as aulas. Existe a crítica à
instrumentalização do cinema pela escola e a proposta de que o mesmo seja
utilizado “por meio da apropriação de uma arte”, de modo que as crianças
“lancem novos olhares ao cotidiano” (FRESQUET, 2015, p. 112). O cinema é na verdade capaz de criar, ele
mesmo, “conceitos cujo uso é apreendido na manipulação das realidades
cinematográficas, mas que podem ser estendidas e até mesmo universalizadas ao
ponto de constituir uma verdadeira visão de mundo” (SIMONDON, 2014, p. 355).
Ampliar a
visão de mundo, conhecer diferentes lugares, contextos e histórias são apenas
algumas das inúmeras experiências que as imagens cinematográficas nos
proporcionam. Juntos, cinema e educação auxiliam na produção de sentidos, na
manifestação de sensibilidades. O cinema não se trata apenas de um aparelho de
reprodução da realidade, mas de “um dispositivo de produção de sentido na
relação com a realidade” (MIGLIORIN; BARROSO, 2016, p. 15). Juntamente com a
produção de sentidos, algo, portanto, intrínseco ao cinema, apreender por meio
da crítica quais são esses sentidos que um audiovisual pretende mobilizar é
onde deve entrar, penso eu, a especificidade da educação cinematográfica
histórica. Segundo Fernando:
“A maneira
como eu trabalho o filme em sala de aula está muito ligada à maneira como eu
problematizo a construção da história. Quando eu falo da construção da história
eu estou falando da escrita da história. Eu encaro o filme como um documento
histórico, e é isso que eu levo para a sala de aula” (FERNANDO, 2017, p. 14).
A escolha de Fernando
por trabalhar com “Caramuru” fundamentou-se na intenção de visualizar esse
filme como uma obra datada, que possui um discurso histórico específico e uma
intencionalidade. O filme, do gênero comédia e ficção histórica, tem como ponto
central a história de Diogo Álvares (Selton Mello), artista português que vem
para o Brasil em 1500, juntamente com a caravela de Vasco de Athayde.
Posteriormente desenvolve um romance com as índias Paraguaçu (Camila Pitanga) e
Moema (Deborah Secco), e dá origem a lenda de que seria o primeiro Rei do
Brasil.
Como ficção histórica, o filme
possui uma visão conciliadora entre índios e portugueses, além de reproduzir
determinados estereótipos relacionados à etnia indígena, sexualizando as
mulheres indígenas e associando os personagens a costumes como a preguiça e a
“trambicagem”.
“Só que o que eu não percebi como
estudante, mas depois como professor, é ele como esse produto do ano 2000. Um
produto feito por um canal de televisão. Naquele momento a Globo está muito
próxima do próprio Governo Federal, nesse processo de comemoração” (FERNANDO,
2017, p. 21).
Como lembra Cainelli e Schmidt
(2009, p. 111), “para o ensino da História, o trabalho para desvelar o discurso
histórico impõe uma atividade incessante e sistemática com o documento em sala
de aula”. Para Febvre (1974, p. 21 apud CAINELLI; SCHMIDT, 2009, p. 112), a
história pode e deve ser feita “com tudo o que a engenhosidade do historiador
lhe permitir utilizar”, não apenas fontes escritas. Nesse sentido, os filmes
aparecem também como objeto de investigação para a história, e assim como são
arte, são também documentos históricos. Podem dizer muito mais sobre a época
que foram produzidos do que propriamente sobre a época que estão representando.
Uma das formas de lidar com o
documento histórico em sala de aula é fazer com que os estudantes formulem
questões, instigando para que eles questionem a sua origem e intencionalidades
(CAINELLI, SCHMIDT, 2009, p. 118). Durante a entrevista, Fernando me apresentou
o seu caderno de preparação das aulas onde havia uma cópia do questionário que
distribuía para os/as estudantes antes de começarem a ver o filme.
“Então quando eu vou trabalhar o
filme, sempre tem a questão: “O filme é um documento histórico?” [professor
apresenta as questões propostas aos estudantes em sua ficha no caderno de
planejamento]. Então já aqui na pergunta eu vou ver se eles vão relacionar essa
ideia, se o filme é um documento histórico porque fala do passado, ou se já
aqui eles vão problematizar se é feito numa época, por um autor, e tu vai ver
que isso vai se repetir em todos os outros filmes, porque se naquele ele não
problematizou, no outro ele vai problematizar, e eu espero que até o final do
ano ele problematize” (FERNANDO, 2017, p. 22).
Quando distribui um questionário
para os/as estudantes antes de exibir o filme, Fernando está fazendo uma
escolha, direcionando o olhar da turma para aspectos específicos que deseja
trabalhar em sala. Outra possibilidade seria esperar que os próprios estudantes
levantassem questões durante e após o filme, e, posteriormente, fossem
realizadas perguntas pelo professor. É compreensível, no entanto, que
discussões iniciais do uso do cinema em sala de aula tenham um direcionamento,
especialmente quando o objetivo é analisar um filme enquanto documento
histórico.
É perceptível nos depoimentos dos/as
professores/as que entre os/as estudantes do ensino médio do Aplicação o olhar
crítico para os filmes enquanto um documento histórico, além de uma obra de
arte, já está bastante desenvolvido, facilitando um trabalho que prioriza a
autonomia desses/as estudantes em suas análises. Manoel comenta sobre essa
realidade em suas aulas no 3º ano do ensino médio, onde discute temas
relacionados ao Brasil Republicano:
“Essa reflexão sobre a produção,
sobre quem fez, o que fez, me parece que já tem uma tranquilidade com os alunos
que eu lido, que são os alunos do 3º ano, predominantemente com História do
Brasil, onde eu faço uso dos filmes nacionais. Essa discussão já está muito
mais bem construída pelos meus colegas anteriores. Me parece que para eles já
se tem essa curiosidade de saber quem fez, em que momento que isso foi
produzido” (MANOEL, 2017, p. 04).
Ainda sobre o trabalho do filme como
um documento histórico, Karen afirma:
“Eu creio que essa perspectiva de
pensar o filme enquanto um documento é uma perspectiva que eu acredito que está
praticamente presente na docência dos meus colegas todos aqui. Eu digo
praticamente porque eu não posso ficar afirmando pelos meus colegas. Mas eu
tenho a impressão de que todos nós temos muito essa perspectiva” (KAREN, 2017,
p. 57).
Quando documentos históricos são
utilizados em sala de aula, é importante que haja a confrontação entre
diferentes tipos de documentos, para que os/as estudantes possam construir
relações de semelhanças e diferenças, combinar informações, estabelecer ideias
e conceitos (CAINELLI; SCHMIDT, 2009, p. 126). Fernando, por exemplo, ao
trabalhar com “Caramuru”, utilizou outro filme para confrontá-lo enquanto
documento histórico. Trata-se de “Uma História de Amor e Fúria” (2013), uma
animação dirigida por Luiz Bolognesi. De acordo com a sinopse oficial:
“Uma História de Amor e Fúria é um
filme de animação que retrata o amor entre um herói imortal e Janaína, a mulher
por quem é apaixonado há 600 anos. Como pano de fundo do romance, o longa de
Luiz Bolognesi ressalta quatro fases da história do Brasil: a colonização, a
escravidão, o Regime Militar e o futuro, em 2096, quando haverá guerra pela
água. Destinado ao público jovem e adulto com linguagem de HQ, o filme traz
Selton Mello e Camila Pitanga dublando os protagonistas” (UMA HISTÓRIA DE AMOR
E FÚRIA, 2013).
No caso do longa-metragem de Luiz
Bolognesi, Fernando opta por utilizar apenas os 20 minutos iniciais, porque
aborda o mesmo contexto de Caramuru, a chegada dos portugueses ao Brasil, porém
com uma narrativa diferente em relação aos povos indígenas.
“As índias e os índios que, sei lá,
são preguiçosos [no caso de Caramuru], aqui tem toda a relação de uma
construção de um guerreiro [em Uma História de Amor e Fúria], de um sujeito
valente, que quer defender o seu espaço, o seu território, e ao mesmo tempo tem
a relação dos europeus, que lá são legais, eles trazem a civilização, aqui
mostra como um sanguinário, que chega matando todo mundo” (FERNANDO, 2017, p.
25).
A intenção
de Fernando é discutir com a turma como um determinado fato histórico pode ser
abordado de diferentes maneiras nas narrativas fílmicas, dependendo do seu/sua
diretor/a, produtora, público-alvo, meio de divulgação e exibição.
Embora a
maioria dos/as professores/as trabalhem com o modelo de longa-metragem nas
aulas do Aplicação, há quem prefira curtas-metragens. É o caso da Professora
Gláucia, que aponta para as dificuldades de trabalhar com o longa-metragem em
sala por conta do curto período das aulas, de 45 minutos.
“Eu acho
que para trabalhar um filme bem trabalhado, assim, tem que ser curta. Tu tens
que passar o filme, tem que ter o momento da fruição, pra eles se apropriarem
da narrativa, pra entenderem o que tá acontecendo, e depois passar o filme de
novo. Tem que parar o filme, discutir a cena, discutir que concepção de
história está ali. É um trabalho muito longo” (GLÁUCIA, 2017, p. 37).
Os relatos
dos/as professores/as nos mostram como o cinema brasileiro está longe de ter um
lugar periférico nas aulas de História no Aplicação. Se a bibliografia pouco
discute isso, a prática pedagógica desses/as professores/as vai à contramão.
Importante também desconstruir o pré-julgamento de que entre os/es estudantes
exista uma resistência aos filmes brasileiros em privilégio do cinema
hollywoodiano. Claro, seria interessante uma pesquisa também entre eles/as, uma
possibilidade que ficará em aberto para trabalhos futuros.
Referências
Diogo Matheus De Souza é graduado em
História pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestrando do Programa de
Pós-Graduação em Educação da mesma universidade. O presente trabalho foi
realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
BRASIL. Lei 13.006, de 26 de junho
de 2014. Acrescenta § 8o ao art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para obrigar a
exibição de filmes de produção nacional nas escolas de educação básica.
CARAMURU – A Invenção do Brasil.
Direção: Guel Arraes. Brasil: Globo Filmes. 2001, (85 min). Son., Colorido.
COLÉGIO DE APLICAÇÃO UFSC. Histórico
do CA in http://www.ca.ufsc.br/historico-do-ca/,
2017.
FRESQUET, Adriana Mabel. Cinema e
Educação: a Lei 13.006. Reflexões, perspectivas e propostas. Ouro Preto:
Universo, 2015.
MARSON, Melina Izar. O Cinema da
Retomada: Estado e cinema no Brasil da dissolução da Embrafilme à criação da
Ancine. Campinas/SP, 2006, 198 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade
Estadual de Campinas, Campinas/SP, 2006.
MEMÓRIA GLOBO. A Invenção do Brasil
in http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/a-invencao-do-brasil/curiosidades,
2017.
MIGLIORIN, Cezar; BARROSO, Elianne
Ivo. Pedagogias do cinema: montagem. Significação: Revista de Cultura
Audiovisual, [s.l.], v. 44, n. 46. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-7114.sig.2016.115323
SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar
História: Pensamento e ação em sala de aula. São Paulo: Scipione, 2009.
SIMONDON, G. Réflexions préalables à
une refonte de l’enseignement. Paris: PUF, 2014.
UMA HISTÓRIA de amor e fúria.
Direção: Luiz Bolognesi. Brasil: Buriti Filmes. 2013, (75 min). Son., colorido.
Entrevistas
CAMILO. Entrevista Concedida a Diogo
Matheus de Souza. Florianópolis/SC.. Transcrição por Diogo Matheus de Souza.
Laboratório de História Oral/UFSC, 2017.
FERNANDO. Entrevista Concedida a
Diogo Matheus de Souza. Florianópolis/SC. Transcrição por Diogo Matheus de
Souza. Laboratório de História Oral/UFSC, 2017.
GLÁUCIA. Entrevista Concedida a
Diogo Matheus de Souza. Florianópolis/SC. Transcrição por Diogo Matheus de
Souza. Laboratório de História Oral/UFSC, 2017.
KAREN. Entrevista Concedida a Diogo
Matheus de Souza. Florianópolis/SC. Transcrição por Diogo Matheus de Souza.
Laboratório de História Oral/UFSC, 2017.
MANOEL. Entrevista Concedida a Diogo
Matheus de Souza. Florianópolis/SC. Transcrição por Diogo Matheus de Souza.
Laboratório de História Oral/UFSC, 2017.
Prezado Diogo, essa experiência didática é fundamental para o nosso tempo vivido, inclusive por causa das restrições que estão sendo colocadas às atuações dos professores, em especial os de humanas. Você sentiu alguma dessas limitações?
ResponderExcluirOlá, José!
ExcluirQuando realizei as entrevistas, em 2017, a repressão aos professores e aos temas que eles desenvolvem em sala de aula não estava tão evidente como está nesse momento, então questões referentes a isso, à censura, não foram o foco da minha análise. Porém, um dos professores me relatou um caso em que um estagiário da graduação de Letras da UFSC abandonou a exibição do filme Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi, acusando o professor de estar fazendo apologia ao terrorismo para os alunos ao exibir o filme. Não sei se você conhece esse filme, mas trata-se de uma animação lançada em 2013 que narra, de forma crítica, a história de um índio guerreiro imortal que vê 600 anos da passado e do futuro do Brasil enquanto procura a alma perdida de sua almada. O filme problematiza os diversos momentos históricos do Brasil, como a colonização, a escravidão, a ditadura militar... representando situações de opressão e violência contra grupos da sociedade que aconteceram ao longo de nossa história. É um filme essencialmente crítico, e que levou o estagiário a considerar a sua apresentação como terrorismo. Concordo om você que é importantíssimo discutirmos essas restrições que tem sido colocadas na atuação dos professores. Não podemos deixar que isso aconteça.
Obrigado pela questão.
Diogo Matheus De Souza.
Excelente relato Diogo, fica a minha pergunta: Como você analisa o processo de formação da memória histórica nos alunos por parte dessas grandes produções blockbusters e você crê que esta experiencia é exclusiva do recorte feito em seu relato(o colegio aplicação) ou seria uma tendencia entre os jovens dessa idade terem um olhar já mais crítico?
ResponderExcluirDouglas Tacone Pastrello
Olá, Douglas!
ExcluirAcredito que a memória histórica dos alunos é sim influenciada tanto pelo cinema de blockbuster quanto por outras mídias que eles costumam ter acesso. Como Pollack destaca, um filme é um podersoso mecanismo de enquadramento de memórias, ou seja, de cristalizar lembranças específicas sobre determinados acontecimentos e contextos históricos. A indústria cinematográfica nutre-se muito da história para construir suas narrativas e assim acaba por interferir consideravelmente na percepção de seus espectadores sobre essa mesma história. Não por acaso, por exemplo, o filme 1492, de Ridley Scott, foi lançando em 1992, no ano das Olimpíadas de Barcelona e do aniversário de 500 anos da chegada dos espanhóis na América. A sua narrativa reforça a ideia de Cristóvão Colombo enquanto herói, em uma clara iniciativa de enquadrar uma memória sobre o evento que fosse favorável aos chamados "conquistadores".
Em relação à peculiaridade do Colégio de Aplicação. Trata-se de uma realidade bastante favorável para a criação do senso crítico. O colégio tem grande proximidade com a UFSC, e uma boa estrutura. Acredito que eu precisaria de uma pesquisa mais abrangente para lhe afirmar isso, mas, a partir do que observo, não acredito que essa realidade possa ser generalizada. Me formei na educação básica em uma escola do interior de SC em 2010 e até então eu ainda tinha o filme como mera ilustração do conteúdo. Ao mesmo tempo, vejo jovens super críticos e antenados na construção de discursos pela mídia e pela indústria cultural, que sempre tem intencionalidades diversas por trás.
Obrigado pela questão.
Diogo Matheus De Souza.