CINEMA
E HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE: REGIME MILITAR BRASILEIRO EM PRA FRENTE BRASIL (1982)
Cinema
e ensino de História
O cinema tem sido explorado como
ferramenta pedagógica há alguns anos, sendo que vários autores já se debruçaram
sobre o tema. Vitor Reia-Baptista, em
seu artigo Pedagogia da comunicação (1995), traça um importante paralelo
entre cinema, comunicação e pedagogia.
De acordo com o autor, a inclusão de
estudos midiáticos, nos diferentes níveis de ensino é uma medida necessária
para uma formação integral e adequada às características culturais do cidadão
das sociedades modernas nas quais o fenômeno comunicativo global assume grande
importância social, cultural e pedagógica.
Dessa forma, o estudo da dimensão
pedagógica dos fenômenos fílmicos torna-se um ato de aquisição de conhecimentos
e de reflexão crítica sobre uma faceta preponderante da nossa história cultural
recente. Entretanto, para que se chegue a um conhecimento aprofundado das suas
possíveis dimensões pedagógicas, torna-se necessário um conjunto de estudos
vários, mas unidos pela natureza da própria arte cinematográfica, ao que o
autor chama de antropologia fílmica.
Em nosso país, o tema Cinema e História,
tem sido debatido intensamente nos últimos anos. Prova disso é a enorme
quantidade de trabalhos escritos, comunicações apresentadas e simpósios
realizados sobre a temática. Podemos propor como marco importante sobre o tema
o lançamento do livro Cinema e História
(1977) de Marc Ferro, que reuniu em uma obra vários artigos escritos pelo autor
durante a década de 1970 sobre a importância das imagens em movimento na
pesquisa histórica. Com essa obra, o historiador francês tornou-se o expoente
nos estudos sobre a utilização das imagens em movimento dentro do campo
histórico, e lançou as bases onde seriam edificadas os novos conceitos e
propostas sobre o tema.
Outro pesquisador frequentemente citado
nos trabalhos referentes à temática Cinema e História é o norte-americano
Robert Rosenstone. Anteriormente, Ferro (2010) havia tratado o filme como um
contradiscurso da sociedade. Em sua obra A
história nos filmes, os filmes na história (2006), Rosenstone vai um pouco
além da proposta de Marc Ferro, chamando os cineastas de historiadores e
tratando o filme como um contradiscurso do passado.
Esses dois historiadores, um francês e
outro norte-americano, são considerados os mais referenciados e citados nos círculos
acadêmicos sobre a temática Cinema e História. Resta-nos abordarmos seus
conceitos e capturarmos o que se mostra mais hábil para a nossa pesquisa.
O cinema pode ser uma ferramenta de
extrema importância no processo ensino-aprendizagem de História. Dentro do
contexto da História do Brasil temos, nas mídias fílmicas, veículos profícuos
na pesquisa e estudo, notadamente no que se refere ao regime militar
brasileiro. Tal período de nossa
história se estendeu de 1964 até 1985, quando José Sarney substituiu o último
general-presidente, João Figueiredo. Dentro
desse período, escolhemos como recorte de pesquisa o intervalo conhecido como
“anos de chumbo”, que, segundo Villa (2014), delimita o regime militar como
verdadeira ditadura, marcada por prisões arbitrárias e torturas. O marco desse
processo ditatorial encontra-se na promulgação do Ato Institucional nº 5, de 13
de dezembro de 1968.
Skidmore (1998) nos conta que em 1968
os ânimos estavam cada vez mais exaltados no campo político. De acordo com o
brasilianista, o ponto culminante aconteceu após discurso do congressista
Márcio Moreira Alves, que conclamou as esposas dos militares a não os servirem
sexualmente. Os generais mais radicais haviam conseguido munição contra a
oposição. Nas palavras do autor (SKIDMORE, 1998, p. 232), “O Brasil era agora
uma ditadura autêntica”. O congresso foi fechado, a censura foi introduzida, as
correspondências foram violadas e as denúncias (realizadas por informantes)
tornaram-se comuns. O período de vigência do AI-5 (1968-1978) é o recorte
proposto em nosso projeto de pesquisa por ser o momento mais nefasto e sombrio
do regime militar, caracterizado por arbitrariedades e violência desmedida
contra membros da sociedade brasileira.
Uma das maneiras de nos aproximarmos
dessa fase abominável da História do Brasil é através do cinema, hoje
considerado importante instrumento de Ensino de História. Dessa forma, Rocha (2015)
defende a utilização das imagens, pelo seu “efeito de realidade”. Além disso,
enfatiza que a utilização de novos suportes, baseados em imagens e sons, vem se
consolidando nos últimos anos, nas aulas de história, “[...] sem destronar,
entretanto, as formas tradicionais de ensino e aprendizagem” (ROCHA, 2015, p.
116).
Quanto à utilização de filmes,
observa-se, entretanto, que os mesmos não foram originalmente produzidos com
finalidade pedagógica, sendo necessário, dessa forma, que seja realizado um
tratamento metodológico para essas mídias. Além disso, faz-se necessário que o
objeto fílmico não seja explorado como simples ilustração, banalizando-o. É
preciso que os filmes sejam tomados “[...] como objetos de investigação
histórica [...]” (CAIMI, 2015, p. 30).
Além disso, a utilização do cinema no
processo ensino-aprendizagem favorece o estabelecimento de “diálogos com
conceitos teóricos que remetem às discussões e posturas em relação à
iconografia e imagens, trazidas pelas novas abordagens historiográficas”
(SOUZA; SOARES, 2003, p. 3), além de facilitar a “assimilação de conteúdos por
parte dos alunos despertando o interesse pelo tema tratado” (LIMA, 2015, p.
95).
Uma pedagogia das imagens em movimento,
segundo Castro (2016), deve respeitar o fato de que as imagens levam a uma
releitura da realidade. Entretanto, seu uso deve ir além de uma mera
ilustração, pois da mesma forma que a leitura de um texto impresso vai além de
juntar as letras, a leitura do texto fílmico é mais do que olhá-las
complacentemente. É necessário que o questionemos sempre.
Dessa forma, o autor nos mostra a
intenção pedagógica do cinema: preparar o aluno para ver a mídia, o filme, como
uma mediação, uma aproximação da realidade, e não o real. Tornando o aluno
sempre apto a questioná-lo. Assim, a sala de aula deve ser o espaço para o
diálogo com as imagens em movimento, com o objetivo de se descobrir suas
intenções ou possibilidades.
O filme Pra
frente, Brasil (1982), produzido em pleno exercício do regime militar,
torna-se uma ferramenta de fonte de pesquisa, bem como proporciona uma
discussão sobre esse período de nossa história.
Pra
frente Brasil: o regime militar brasileiro sob a ótica cinematográfica
Dirigido por Roberto Farias, a película conta
a história fictícia de Jofre, um brasileiro da classe média, avesso a
manifestações políticas que tem o infortúnio de dividir o taxi com um
guerrilheiro procurado pela polícia. Ao serem perseguidos, o guerrilheiro é
assassinado e Jofre é confundido, sendo levado ao cárcere, torturado e morto
por engano. Situado no recorte que remete ao que ficou conhecido como “anos de
chumbo” (NAPOLITANO, 1998, p. 34), o filme Pra
frente, Brasil, joga luz sobre a repressão policial, exercida pelo Estado à
época e permite aprender História, uma vez que “esse processo de cognição serve
para interpretar a ação humana em tempos e lugares diferentes” (PEREIRA; SILVA,
2014, p. 318).
No que concerne à mídia fílmica, a
película Pra frente, Brasil (1982)
torna-se de grande utilidade, por tratar de um tema que, ainda nos dias atuais,
causa desconforto e repulsa, como a temática da tortura. Tal período ficou
caracterizado pela subtração de direitos individuais e coletivos da sociedade
brasileira. O filme em questão, por tratar corajosamente de um tema complexo,
em plena atividade do regime militar no Brasil, é hábil em representar um temor
existente na sociedade daquela época. Além disso, a história por trás da
história oficial nos mostra que a película foi censurada logo após seu
lançamento, causando certas dificuldades aos profissionais envolvidos na sua
produção.
O Jornal do Brasil, entre março e abril
de 1982, foi palco de várias matérias sobre o filme, desde a sua indicação ao
troféu Kikito, do Festival de Cinema de Gramado (16 de março), até um longo
texto intitulado Censura política e
abertura, no dia 25 de abril. O filme foi o grande vencedor do prêmio do
Festival de Cinema de Gramado daquele ano. Segundo matéria do Jornal do Brasil
do dia 29 de março de 1982, foi “[...] o único filme a ser aplaudido de pé após
exibição [...]” (SCHILD, 1982, p. 1). O
mesmo periódico, no dia 31 de março trouxe a notícia que a diretora da Divisão
de Censura, após examinar por duas vezes o conteúdo do filme, havia considerado
o mesmo polêmico, evitando a liberação de exibição da obra nos cinemas (BRAGA,
1982, p. 7). Mais grave ainda, o filme foi responsável pelo afastamento do
presidente da Embrafilme, empresa ligada ao Ministério da Educação e Cultura,
responsável pelo fomento à produção cinematográfica brasileira.
Segundo matéria publicada no Jornal do
Brasil de 2 de abril de 1982, Celso Amorim, após três anos à frente da
Embrafilme, foi afastado da presidência da empresa por, entre outros motivos,
ter financiado com recursos do Estado uma obra claramente contrária ao próprio
Estado (JORNAL DO BRASIL, 1982, p. 1).
Esses fatos, ocorridos após o
lançamento do filme e somados ao enredo, tornam a obra fílmica aqui discutida
em um importante objeto de estudo e pesquisa histórica. Batalha (2008), fez uma
profunda análise sobre Pra frente Brasil
(1982) nesse sentido. Segundo o autor o filme está impregnado de conceitos
maniqueístas, separando a polícia que tortura da polícia que nada sabe sobre
esses atos, com o objetivo de “[...] minimizar as responsabilidades do regime
pelos desmandos do aparato repressivo [...]” (BATALHA, 2008, p. 139).
Esse subterfúgio escolhido pelo
cineasta mostra uma força policial que se articula nas sombras, por entre as
frestas da lei, sendo ela a própria lei, escolhendo quem vai ser preso,
torturado e assassinado. O protagonista vivido pelo ator Reginaldo Farias cai
nas mãos de um delegado visivelmente com transtornos de conduta (dr. Barreto), que
demonstra satisfação e até mesmo prazer em torturar. Quando Dr. Barreto é
assassinado, torna-se difícil não sentir alívio. Os tiros que o dr. Barreto
(interpretado por Carlos Zara) sofre e que causam sua morte, não são disparados
por um guerrilheiro aflito, mas por toda uma sociedade, ávida por reparo.
À parte de toda a polêmica em volta do
filme, seu enredo nos mostra o clima de insegurança vigente, no qual qualquer
pessoa, estando no lugar errado e na hora errada, poderia ser vítima do
desmando do Poder Público. Batalha sintetiza essa situação quando nos diz que “As
possibilidades de que os grupos de repressão [...] cometessem enganos fatais é
evidentemente grande” (BATALHA, 2008, p. 142). Além disso, o desejo da classe
média de não se envolver em assuntos políticos é latente. O futebol, e a
conquista do tricampeonato mundial pela seleção brasileira, aparenta ter maior
importância para uma população mergulhada na alienação, indiferença e
hipocrisia.
Tudo isso faz de Pra frente Brasil (1982) uma obra ímpar, como documento de uma
época tão recente na nossa história e tão distante no que diz respeito às
garantias dos direitos individuais e coletivos de uma nação.
Referências
Marcelo Gonçalves Ferraz é graduando em
História pela Universidade de Pernambuco (UPE - Campus Petrolina).
Referência cinematográfica:
PRA FRENTE Brasil. Direção: Roberto
Farias. Produção: Embrafilme. 105 min. 1982.
Referências bibliográficas:
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Márcio. Censura considera polêmico Pra frente Brasil e ainda não diz se vai ser
liberado. Jornal do Brasil. Rio de
janeiro, 31 mar. 1982. Caderno B, p. 7.
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Janeiro: FGV, 2015.
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Nilo André Piana. Leitura midiática na sala de aula e nos cursos de extensão:
interpretando e construindo conhecimento através de imagens em movimento. In:
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1964-1985. São Paulo: Atual,1998.
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VILLA, Marco
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1964-1985. São Paulo: Leya, 2014.
Prezado Marcelo, sua escolha do filme foi extremamente feliz. Embora as atuações, em geral, sejam muito ruins, o roteiro, a direção e a montagem fazem dele uma obra de peso, e quando visto à luz do momento em que foi produzido cresce ainda mais em importância. É, de fato, uma obra que precisa ser revista. Isso dito, você não detalhou bem como usar este filme em sala de aula. Qual o ano? Com quais objetivos? Haverá resistência? Se sim, virá da diretoria? Ou dos pais? Como contorná-las?
ResponderExcluirBoa tarde, Prof. José Maria. O grande problema do cinema nacional sempre foi o som. Acredito que assistir ao filme "Pra frente Brasil" no cinema, em 1982, tenha sido uma aventura e tanto. Acredito também que seu maior legado tenha sido levantar uma questão ainda polêmica em plena vigência do período militar. Por representar temas tão nevrálgicos quanto tortura e assassinato, o professor deve usar de bom senso para não chocar alunos cuja idade não esteja de acordo com a exposição do tema. Estudantes dos anos finais do ensino médio seriam o público alvo, lembrando que a temática Regime/Ditadura Militar está sempre presente no ENEM. Resistência por parte de pais/direção sempre haverá. Mas, como nosso país não é para amadores, a solução deve ser sempre o diálogo, mostrando a importância do assunto para nossos alunos, pela própria discussão sobre democracia ou, pelo menos, como auxiliar nos estudos para o ENEM.
ExcluirGrato.
O som era um problema insuportável, rsrsrs. Mas ao receber o seu texto, eu fui rever o filme no Youtube, e com raras exceções, os atores estão próximos do ridículo! Mas é um filme, sem dúvida, importante, e impactante antes de tudo. Acho que você está certo, ele é indicado pros últimos anos do ensino médio.
ExcluirOs tipos policiais chegam a ser cômicos de tão estereotipados.
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