ENCURTANDO
CAMINHOS: DIÁLOGO ENTRE A ACADEMIA E O ENSINO BÁSICO ATRAVÉS DE JOGOS DIDÁTICOS
Introdução
Há muito se tem utilizado jogos
didáticos para ajudar no processo de ensino-aprendizagem desenvolvido nas
escolas e mesmo nas casas de crianças e adolescentes em formação. Atividades
lúdicas tendem a atrair de maneira mais eficaz pessoas em formação, pois “na
sociedade do conhecimento todas as experiências aprendidas devem não só ser
adquiridas com a obrigação que lhes compete, mas também pelo gosto de cada um
aprender e então conciliar essas aprendizagens com o lazer” (MIDÕES, 2014: 10).
Desta forma, é importante que as atividades de aprendizado tragam elementos
associados ao prazer, para que as crianças e adolescentes sintam-se cada vez
mais atraídos e adquiram o hábito de procurar o conhecimento, não o encarando
somente como uma obrigação. Com temas abordados nos trabalhos desenvolvidos na
Base de Pesquisa “Formação dos Espaços Coloniais”: Economia, sociedade e
cultura (base da qual os projetos que deram origem à ideia de elaboração de
jogos para exposição na Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura da UFRN) – CIENTEC
- são parte integrante), versando sobre o período colonial da América
portuguesa.
Ressalta-se que nos últimos anos,
muitos trabalhos desenvolvidos nos programas de graduação e pós-graduação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), tem revisitado a história
colonial da capitania do Rio Grande do Norte, e trazido à luz novas visões
sobre a atuação dos diversos agentes históricos que constituíam esta capitania.
Haja vista estes conteúdos, por mais que estejam sendo revistos no âmbito acadêmico,
ainda não terem chegado às escolas de Educação Básica do estado do Rio Grande
do Norte, o trabalho com jogos didáticos servirá para estreitas essa distância
que há entre o conhecimento produzido nas universidades e o conteúdo ensinado
na Educação Básica.
A
produção acadêmica e o ensino de História local
Nas últimas décadas, o ensino de
História Local tem sido preterido nas grades curriculares das escolas públicas
do estado do Rio Grande do Norte. Isto se deve ao crescente estímulo das
escolas, principalmente as dos anos finais do Ensino Fundamental e ao Ensino
Médio, a adotarem modelos avaliativos similares ao aplicado no Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM).
Em contrapartida a este movimento,
percebe-se um número crescente de trabalhos acadêmicos que versam sobre
realidades locais, revisitando temas e se utilizando de novas abordagens. O
crescimento do número de programas de pós-graduação no país foi um fator
decisivo nesta nova configuração acadêmica. No entanto, ainda é inquietante a
falta de diálogo existente entre o conhecimento que é produzido na academia e o
conhecimento produzido nas escolas de ensino básico. Considerando estes dois
tipos de conhecimento, deve-se refletir sobre
“as diferenças presentes nesses espaços
de conhecimento distintos e a possível relação entre eles, já que não se trata
de uma simples transmissão de conhecimento, no caso, da academia para a escola,
do conhecimento científico para o escolar. As especificidades desses espaços e
os objetivos do conhecimento da história, para cada uma deles, requerem as
devidas adequações, pois a produção do conhecimento histórico na academia é
diferente da produção do conhecimento histórico escolar. Porém deve existir uma
relação estreita entre eles” (BARBOSA, 2006).
Desta forma, acredita-se que deveria
haver um maior estreitamento nesta relação entre os conhecimentos produzidos na
academia e no Ensino Básico, sobretudo no tocante a História Local, já que
“conhecer a História Local é um dos pré-requisitos para se conhecer melhor os
processos históricos em nível regional, nacional e global, além do que [...],
contribui para o fortalecimento das identidades das pessoas para com os lugares
onde nasceram/habitam” (MACEDO, 2017: 61). A importância do estudo da História
Local reside em demonstrar como por meio de um determinado recorte espacial, se
pode estabelecer nexos com contextos mais amplos e evidenciar que ambas as
realidades estão intrinsecamente relacionadas.
Utilização
de jogos e temas abordados
Pensando nesta perspectiva de aproximação
entre os conhecimentos produzidos na academia e na Educação Básico, foi
decidido abordar novos métodos do ensino para tornar as aulas mais dinâmicas e
atrativas para o alunado. Desta forma, foi adotado o trabalho com jogos
didáticos, frutos das discussões desenvolvidas na Base de Pesquisa “Formação
dos Espaços Coloniais” – FEC/CNPq, e produzidos pelos integrantes da base.
A princípio, os jogos seriam expostos
anualmente na Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura (CIENTEC) da UFRN, e
ajudariam os integrantes na disseminação dos novos estudos universitários em
seus estágios curriculares obrigatórios para a obtenção do título de licenciado
em História. Como a base aborda temas voltados aos múltiplos agentes que
constituíam a América portuguesa, a equipe resolveu trabalhar e valorizar,
através do tema da pluralidade cultural existente no período, a participação
dos agentes históricos na construção da sociedade brasileira, a qual se reflete
até os dias atuais. A temática da pluralidade cultural foi escolhida para que
os participantes possam
“estabelecer identidades e diferenças
com outros indivíduos e com grupos sociais presentes na realidade vivida [...].
É, simultaneamente, permitir a introdução dos alunos na compreensão das
diversas formas de relações sociais e a perspectiva de que as histórias
individuais se integram e fazem parte do que se denomina História nacional e de
outros lugares” (NETO, 1999: 68).
Desse modo, os jogadores poderão
perceber, na comunidade em que estão inseridos, sua participação e a de outros
agentes. Poderão, por exemplo, sentir-se estimulados a conhecer comunidades
remanescentes indígenas ou de quilombolas no estado ou no país; perceberão
continuidades do modo de vida colonial nos dias atuais, tais como a devoção ao
catolicismo ou a pluralidade de religiões de matrizes africanas e indígenas;
problematizarão a exploração humana por meio da escravidão. Acima de tudo,
perceberão que tanto europeus, quanto africanos e indígenas foram agentes
históricos.
Também se ressalta a importância de
esclarecer algumas informações para os participantes, pois como reza o ditado
popular, “o desconhecimento gera preconceito”; assim, se os participantes
desconhecem informações a respeito dos grupos componentes da sociedade colonial
da América portuguesa, possivelmente terão uma visão equivocada a respeito
destes grupos.
A equipe se baseou nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN’s), pois o objetivo final dos jogos é que eles
possam ser reelaborados por professores e produzidos, em conjunto com os
alunos, nas escolas da rede pública do Estado, haja vista os materiais com os
quais os jogos são produzidos não terem uma aquisição dispendiosa e a
fabricação deles ser possível no ambiente escolar. Estas escolhas são tomadas
considerando a participação dos alunos da educação básica e dos visitantes da
CIENTEC na construção da História, na problematização do conteúdo, sua análise
e discussão.
Desse modo, os jogos foram elaborados
para abordar a vivência dos diversos agentes sociais do período colonial, como
por exemplo, os indígenas. Trabalhando com os indígenas, será aplicado um jogo
de RPG (role-playing game), no qual
os personagens a serem interpretados pelos participantes são indígenas que
vivem na segunda metade do século XVIII e, de acordo com as escolhas feitas
pelos jogadores, vão vivenciando as múltiplas possibilidades diante do advento
colonial. Além disso, em outros jogos, como o “CS: Cultura e sociedade no
Brasil colonial”, foram abordados os elos com os europeus através dos primeiros
contatos, do convívio e da resistência indígena ao trabalho forçado ou à
conversão. O “Jogo das etnias”, por sua vez, trouxe o elemento africano, que já
vinha sendo abordado em outros jogos. Esse jogo nasceu da necessidade de se
olhar exclusivamente para as sociedades africanas, em virtude do
desconhecimento da estrutura organizacional dessas sociedades escravizadas na
América portuguesa. Foi trabalhada, em suma, a pluralidade cultural, por forma
a afirmar a agência dos diversos povos que habitavam as terras da América
portuguesa, deixando de lado a visão de dominação dos portugueses e
evidenciando a contraposição com as negociações que indígenas e africanos
faziam, e também com suas formas de resistência. Partindo desse pressuposto,
pensamos os jogos como:
[...] exercício sensório-motor e de
simbolismo, uma assimilação do real à atividade própria, fornecendo a esta seu
alimento necessário e transformando o real em função das necessidades múltiplas
do eu. Por isso, os métodos ativos de educação das crianças exigem que se
forneça às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando elas cheguem
a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à
inteligência infantil (PIAGET, 1976).
Em todos os jogos foram contempladas a
Lei 10.639/2003 e/ou a Lei 11.645/2008, em maior ou menor grau de intensidade.
Considera-se importante abordar estas questões em sala de aula para que a
formação cidadã dos alunos, que se inicia no ambiente escolar em conjunção com
a educação familiar, também seja contemplada, reforçando-se o primeiro objetivo
listado nos PCN’s: “Compreender a cidadania como participação social e
política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e
sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e
repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito”
(BRASIL, 1998: 07). Objetivou-se, deste modo, promover o respeito pelas
diferenças socioculturais existentes e rebater pressupostos preconceituosos,
salientando que, como cada um dos participantes, todos se inserem em uma dada
sociedade e são cidadãos iguais e com os mesmos direitos perante a lei, e que,
como tal, assim devem ser respeitados.
Considerações
finais
Apresentou-se aqui, a formulação dos
jogos didáticos desenvolvidos na Base de Pesquisa “Formação dos Espaços
Coloniais” e executados Semana de Ciência, Tecnologia e Cultural na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte entre os anos de 2013 e 2018, e em
salas de aula de estágio supervisionado de alguns discentes de licenciatura em
História da UFRN. Diante do exposto anteriormente, evidencia-se a importância
da produção do conhecimento no âmbito da História Local, sobretudo com
temáticas do período em que parte da América estava sob o julgo da Coroa
portuguesa e era denominada de América portuguesa, na qual houve a confluência
de diversas culturas e visões de mundo. Havendo ainda, a preocupação de
levantar possibilidades de divulgação e veiculação de maneira mais facilitada
dos conteúdos que abarcam essa área do conhecimento.
Ao perceber que havia uma ausência de
metodologias diversas nas aulas de história, utilizou-se jogos didáticos como
novo mecanismo de atratividade e dinamização das aulas. A utilização de jogos
didáticos no ensino de História, sobretudo de História Local, mostra-se como
uma excelente ferramenta metodológica para abordar de maneira lúdica e
cativante temas tão pouco explorados na rede Básica de ensino.
Salienta-se que este é um trabalho
teórico, explicitando como foram elaborados e de onde surgiu a necessidade de
trabalhar com jogos didáticos. Para a elaboração e aplicação dos jogos
precisa-se de uma equipe ampla, sendo assim, os resultados da aplicação dos
jogos são elaboradas sempre coletivamente, estando estes resultados
apresentados no trabalho intitulado “Jogos como ferramenta didática para o
Ensino de História da América Portuguesa”, também submetido para este
congresso.
REFERÊNCIAS
Luana
Ramalho de Sá Leite
- Mestranda do Programa de
Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação do
Professor Doutor Lígio José de Oliveira Maia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2111578662611708.
Ristephany
Kelly da Silva Leite
- Mestranda do Programa de
Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação do
Professor Doutor Lígio José de Oliveira Maia. Bolsista CAPES e integrante da
Base de Pesquisa “Formação dos Espaços Coloniais” – FEC/CNPq. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9939858498437022.
BARBOSA, Vilma de Lurdes. Ensino de
História Local: Redescobrindo Sentidos. Saeculum
– Revista de História. João Pessoa: jul/dez, 2006.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: História – 5a a 8a séries.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Fundamental, 1998.
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de.
De como se constrói uma História Local: aspectos da produção e da utilização no
Ensino de História. In: ALVEAL, Carmen M. O.; FAGUNDES, José E.; ROCHA,
Raimundo N. A. da (org.). Reflexões
Sobre História Local e Produção de Material Didático. Natal: EDUFRN, 2017.
MIDÕES, Andreia Sofia Alves Correia. A Emergência da Literacia e a criança em
idade pré-escolar: A Educação e o Lazer. 2014. 90 f. Dissertação (Mestrado)
- Curso de Mestrado em Educação e Lazer, Departamento de Educação, Instituto
Politécnico de Coimbra, Coimbra, 2014. Disponível em: <http://biblioteca.esec.pt/cdi/ebooks/MESTRADOS_ESEC/ANDREIA_MIDOES.pdf>.
Acesso em: 30 mar. 2018.
NETO, José Alves de Freitas. A transversalidade
e a renovação no Ensino de História. In: VEIGA, Ilma P. A. (Org.). Técnicas de ensino: por que não? 8. Ed.
Campinas: Papirus, 1999.
PIAGET J. Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1976.
Olá Ristephany e Luana. Como os alunos receberam essa nova estratégia didática?
ResponderExcluirBoa noite, José Maria Gomes de Souza Neto.
ExcluirAgradecemos pela pergunta e interesse no nosso trabalho.
Como os jogos são um elemento lúdico, no geral, são bem recebidos pelos alunos. As diferenças que notamos são quanto à estilo do jogo, campo de interesse dos alunos e faixa etária deles. Logo, alguns alunos se interessaram mais por jogos que continham quiz, outros por jogos que eram mais curtos, e assim por diante.
Como aplicamos os jogos não somente em sala de aula, percebemos que a proposta de intervenção foi muito bem recebida, não apenas pelos alunos, como pelos demais participantes da CIENTEC/UFRN, tendo em vista a participação maciça de segmentos além do ambiente escolar, como famílias e grupos de amigos, por exemplo.
Como nos propomos a trabalhar os jogos em um evento aberto para todas as faixas etárias, tivemos a preocupação de criar jogos diversos em seus objetivos e métodos, o que ajudou na aceitação dos mesmos.
Ristephany Kelly da Silva Leite
Luana Ramalho de Sá Leite
Parabéns pelo trabalho.
ResponderExcluirOs jogos são de domínio público? Estão disponível na internet? Como os professores da rede pública podem ter acesso a eles?
Cláudio Correia de Oliveira Neto
Boa noite, Cláudio.
ExcluirOs jogos são expostos todo o ano na CIENTEC-UFRN e a cada ano tentamos aprimorá-los de alguma forma. Desde o ano passado, estamos estudando a possibilidade de fazer um perfil em alguma rede social para ensinar os professores a fabricar estes jogos e disponibilizar o material para download (de fichas, respostas, etc.) esperamos em breve estar disponibilizando este material para que os próprios professores, com o auxílio de seus alunos, possam estar produzindo os jogos em sala de aula, haja vista todos os jogos serem produzidos com material de baixo custo, que muitas vezes está disponível nos almoxarifados das escolas.
Ristephany Kelly da Silva Leite
Luana Ramalho de Sá Leite