Luana Ramalho de Sá Leite e Ristephany Kelly da Silva Leite


ENCURTANDO CAMINHOS: DIÁLOGO ENTRE A ACADEMIA E O ENSINO BÁSICO ATRAVÉS DE JOGOS DIDÁTICOS



Introdução

Há muito se tem utilizado jogos didáticos para ajudar no processo de ensino-aprendizagem desenvolvido nas escolas e mesmo nas casas de crianças e adolescentes em formação. Atividades lúdicas tendem a atrair de maneira mais eficaz pessoas em formação, pois “na sociedade do conhecimento todas as experiências aprendidas devem não só ser adquiridas com a obrigação que lhes compete, mas também pelo gosto de cada um aprender e então conciliar essas aprendizagens com o lazer” (MIDÕES, 2014: 10). Desta forma, é importante que as atividades de aprendizado tragam elementos associados ao prazer, para que as crianças e adolescentes sintam-se cada vez mais atraídos e adquiram o hábito de procurar o conhecimento, não o encarando somente como uma obrigação. Com temas abordados nos trabalhos desenvolvidos na Base de Pesquisa “Formação dos Espaços Coloniais”: Economia, sociedade e cultura (base da qual os projetos que deram origem à ideia de elaboração de jogos para exposição na Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura da UFRN) – CIENTEC - são parte integrante), versando sobre o período colonial da América portuguesa.

Ressalta-se que nos últimos anos, muitos trabalhos desenvolvidos nos programas de graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), tem revisitado a história colonial da capitania do Rio Grande do Norte, e trazido à luz novas visões sobre a atuação dos diversos agentes históricos que constituíam esta capitania. Haja vista estes conteúdos, por mais que estejam sendo revistos no âmbito acadêmico, ainda não terem chegado às escolas de Educação Básica do estado do Rio Grande do Norte, o trabalho com jogos didáticos servirá para estreitas essa distância que há entre o conhecimento produzido nas universidades e o conteúdo ensinado na Educação Básica.

A produção acadêmica e o ensino de História local

Nas últimas décadas, o ensino de História Local tem sido preterido nas grades curriculares das escolas públicas do estado do Rio Grande do Norte. Isto se deve ao crescente estímulo das escolas, principalmente as dos anos finais do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio, a adotarem modelos avaliativos similares ao aplicado no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Em contrapartida a este movimento, percebe-se um número crescente de trabalhos acadêmicos que versam sobre realidades locais, revisitando temas e se utilizando de novas abordagens. O crescimento do número de programas de pós-graduação no país foi um fator decisivo nesta nova configuração acadêmica. No entanto, ainda é inquietante a falta de diálogo existente entre o conhecimento que é produzido na academia e o conhecimento produzido nas escolas de ensino básico. Considerando estes dois tipos de conhecimento, deve-se refletir sobre 

“as diferenças presentes nesses espaços de conhecimento distintos e a possível relação entre eles, já que não se trata de uma simples transmissão de conhecimento, no caso, da academia para a escola, do conhecimento científico para o escolar. As especificidades desses espaços e os objetivos do conhecimento da história, para cada uma deles, requerem as devidas adequações, pois a produção do conhecimento histórico na academia é diferente da produção do conhecimento histórico escolar. Porém deve existir uma relação estreita entre eles” (BARBOSA, 2006).

Desta forma, acredita-se que deveria haver um maior estreitamento nesta relação entre os conhecimentos produzidos na academia e no Ensino Básico, sobretudo no tocante a História Local, já que “conhecer a História Local é um dos pré-requisitos para se conhecer melhor os processos históricos em nível regional, nacional e global, além do que [...], contribui para o fortalecimento das identidades das pessoas para com os lugares onde nasceram/habitam” (MACEDO, 2017: 61). A importância do estudo da História Local reside em demonstrar como por meio de um determinado recorte espacial, se pode estabelecer nexos com contextos mais amplos e evidenciar que ambas as realidades estão intrinsecamente relacionadas.

Utilização de jogos e temas abordados

Pensando nesta perspectiva de aproximação entre os conhecimentos produzidos na academia e na Educação Básico, foi decidido abordar novos métodos do ensino para tornar as aulas mais dinâmicas e atrativas para o alunado. Desta forma, foi adotado o trabalho com jogos didáticos, frutos das discussões desenvolvidas na Base de Pesquisa “Formação dos Espaços Coloniais” – FEC/CNPq, e produzidos pelos integrantes da base.

A princípio, os jogos seriam expostos anualmente na Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura (CIENTEC) da UFRN, e ajudariam os integrantes na disseminação dos novos estudos universitários em seus estágios curriculares obrigatórios para a obtenção do título de licenciado em História. Como a base aborda temas voltados aos múltiplos agentes que constituíam a América portuguesa, a equipe resolveu trabalhar e valorizar, através do tema da pluralidade cultural existente no período, a participação dos agentes históricos na construção da sociedade brasileira, a qual se reflete até os dias atuais. A temática da pluralidade cultural foi escolhida para que os participantes possam

“estabelecer identidades e diferenças com outros indivíduos e com grupos sociais presentes na realidade vivida [...]. É, simultaneamente, permitir a introdução dos alunos na compreensão das diversas formas de relações sociais e a perspectiva de que as histórias individuais se integram e fazem parte do que se denomina História nacional e de outros lugares” (NETO, 1999: 68).

Desse modo, os jogadores poderão perceber, na comunidade em que estão inseridos, sua participação e a de outros agentes. Poderão, por exemplo, sentir-se estimulados a conhecer comunidades remanescentes indígenas ou de quilombolas no estado ou no país; perceberão continuidades do modo de vida colonial nos dias atuais, tais como a devoção ao catolicismo ou a pluralidade de religiões de matrizes africanas e indígenas; problematizarão a exploração humana por meio da escravidão. Acima de tudo, perceberão que tanto europeus, quanto africanos e indígenas foram agentes históricos.

Também se ressalta a importância de esclarecer algumas informações para os participantes, pois como reza o ditado popular, “o desconhecimento gera preconceito”; assim, se os participantes desconhecem informações a respeito dos grupos componentes da sociedade colonial da América portuguesa, possivelmente terão uma visão equivocada a respeito destes grupos.

A equipe se baseou nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), pois o objetivo final dos jogos é que eles possam ser reelaborados por professores e produzidos, em conjunto com os alunos, nas escolas da rede pública do Estado, haja vista os materiais com os quais os jogos são produzidos não terem uma aquisição dispendiosa e a fabricação deles ser possível no ambiente escolar. Estas escolhas são tomadas considerando a participação dos alunos da educação básica e dos visitantes da CIENTEC na construção da História, na problematização do conteúdo, sua análise e discussão.

Desse modo, os jogos foram elaborados para abordar a vivência dos diversos agentes sociais do período colonial, como por exemplo, os indígenas. Trabalhando com os indígenas, será aplicado um jogo de RPG (role-playing game), no qual os personagens a serem interpretados pelos participantes são indígenas que vivem na segunda metade do século XVIII e, de acordo com as escolhas feitas pelos jogadores, vão vivenciando as múltiplas possibilidades diante do advento colonial. Além disso, em outros jogos, como o “CS: Cultura e sociedade no Brasil colonial”, foram abordados os elos com os europeus através dos primeiros contatos, do convívio e da resistência indígena ao trabalho forçado ou à conversão. O “Jogo das etnias”, por sua vez, trouxe o elemento africano, que já vinha sendo abordado em outros jogos. Esse jogo nasceu da necessidade de se olhar exclusivamente para as sociedades africanas, em virtude do desconhecimento da estrutura organizacional dessas sociedades escravizadas na América portuguesa. Foi trabalhada, em suma, a pluralidade cultural, por forma a afirmar a agência dos diversos povos que habitavam as terras da América portuguesa, deixando de lado a visão de dominação dos portugueses e evidenciando a contraposição com as negociações que indígenas e africanos faziam, e também com suas formas de resistência. Partindo desse pressuposto, pensamos os jogos como:

[...] exercício sensório-motor e de simbolismo, uma assimilação do real à atividade própria, fornecendo a esta seu alimento necessário e transformando o real em função das necessidades múltiplas do eu. Por isso, os métodos ativos de educação das crianças exigem que se forneça às crianças um material conveniente, a fim de que, jogando elas cheguem a assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à inteligência infantil (PIAGET, 1976).

Em todos os jogos foram contempladas a Lei 10.639/2003 e/ou a Lei 11.645/2008, em maior ou menor grau de intensidade. Considera-se importante abordar estas questões em sala de aula para que a formação cidadã dos alunos, que se inicia no ambiente escolar em conjunção com a educação familiar, também seja contemplada, reforçando-se o primeiro objetivo listado nos PCN’s: “Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito” (BRASIL, 1998: 07). Objetivou-se, deste modo, promover o respeito pelas diferenças socioculturais existentes e rebater pressupostos preconceituosos, salientando que, como cada um dos participantes, todos se inserem em uma dada sociedade e são cidadãos iguais e com os mesmos direitos perante a lei, e que, como tal, assim devem ser respeitados.

Considerações finais

Apresentou-se aqui, a formulação dos jogos didáticos desenvolvidos na Base de Pesquisa “Formação dos Espaços Coloniais” e executados Semana de Ciência, Tecnologia e Cultural na Universidade Federal do Rio Grande do Norte entre os anos de 2013 e 2018, e em salas de aula de estágio supervisionado de alguns discentes de licenciatura em História da UFRN. Diante do exposto anteriormente, evidencia-se a importância da produção do conhecimento no âmbito da História Local, sobretudo com temáticas do período em que parte da América estava sob o julgo da Coroa portuguesa e era denominada de América portuguesa, na qual houve a confluência de diversas culturas e visões de mundo. Havendo ainda, a preocupação de levantar possibilidades de divulgação e veiculação de maneira mais facilitada dos conteúdos que abarcam essa área do conhecimento.

Ao perceber que havia uma ausência de metodologias diversas nas aulas de história, utilizou-se jogos didáticos como novo mecanismo de atratividade e dinamização das aulas. A utilização de jogos didáticos no ensino de História, sobretudo de História Local, mostra-se como uma excelente ferramenta metodológica para abordar de maneira lúdica e cativante temas tão pouco explorados na rede Básica de ensino.

Salienta-se que este é um trabalho teórico, explicitando como foram elaborados e de onde surgiu a necessidade de trabalhar com jogos didáticos. Para a elaboração e aplicação dos jogos precisa-se de uma equipe ampla, sendo assim, os resultados da aplicação dos jogos são elaboradas sempre coletivamente, estando estes resultados apresentados no trabalho intitulado “Jogos como ferramenta didática para o Ensino de História da América Portuguesa”, também submetido para este congresso.


REFERÊNCIAS

Luana Ramalho de Sá Leite - Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação do Professor Doutor Lígio José de Oliveira Maia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2111578662611708.

Ristephany Kelly da Silva Leite - Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação do Professor Doutor Lígio José de Oliveira Maia. Bolsista CAPES e integrante da Base de Pesquisa “Formação dos Espaços Coloniais” – FEC/CNPq. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9939858498437022.

BARBOSA, Vilma de Lurdes. Ensino de História Local: Redescobrindo Sentidos. Saeculum – Revista de História. João Pessoa: jul/dez, 2006.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: História – 5a a 8a séries. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Fundamental, 1998.

MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. De como se constrói uma História Local: aspectos da produção e da utilização no Ensino de História. In: ALVEAL, Carmen M. O.; FAGUNDES, José E.; ROCHA, Raimundo N. A. da (org.). Reflexões Sobre História Local e Produção de Material Didático. Natal: EDUFRN, 2017.

MIDÕES, Andreia Sofia Alves Correia. A Emergência da Literacia e a criança em idade pré-escolar: A Educação e o Lazer. 2014. 90 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Educação e Lazer, Departamento de Educação, Instituto Politécnico de Coimbra, Coimbra, 2014. Disponível em: <http://biblioteca.esec.pt/cdi/ebooks/MESTRADOS_ESEC/ANDREIA_MIDOES.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2018.

NETO, José Alves de Freitas. A transversalidade e a renovação no Ensino de História. In: VEIGA, Ilma P. A. (Org.). Técnicas de ensino: por que não? 8. Ed. Campinas: Papirus, 1999.

PIAGET J. Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976.

4 comentários:

  1. Olá Ristephany e Luana. Como os alunos receberam essa nova estratégia didática?

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    1. Boa noite, José Maria Gomes de Souza Neto.
      Agradecemos pela pergunta e interesse no nosso trabalho.
      Como os jogos são um elemento lúdico, no geral, são bem recebidos pelos alunos. As diferenças que notamos são quanto à estilo do jogo, campo de interesse dos alunos e faixa etária deles. Logo, alguns alunos se interessaram mais por jogos que continham quiz, outros por jogos que eram mais curtos, e assim por diante.
      Como aplicamos os jogos não somente em sala de aula, percebemos que a proposta de intervenção foi muito bem recebida, não apenas pelos alunos, como pelos demais participantes da CIENTEC/UFRN, tendo em vista a participação maciça de segmentos além do ambiente escolar, como famílias e grupos de amigos, por exemplo.
      Como nos propomos a trabalhar os jogos em um evento aberto para todas as faixas etárias, tivemos a preocupação de criar jogos diversos em seus objetivos e métodos, o que ajudou na aceitação dos mesmos.

      Ristephany Kelly da Silva Leite
      Luana Ramalho de Sá Leite

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  2. Cláudio Correia de Oliveira Neto11 de abril de 2019 às 13:57

    Parabéns pelo trabalho.
    Os jogos são de domínio público? Estão disponível na internet? Como os professores da rede pública podem ter acesso a eles?
    Cláudio Correia de Oliveira Neto

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    1. Boa noite, Cláudio.
      Os jogos são expostos todo o ano na CIENTEC-UFRN e a cada ano tentamos aprimorá-los de alguma forma. Desde o ano passado, estamos estudando a possibilidade de fazer um perfil em alguma rede social para ensinar os professores a fabricar estes jogos e disponibilizar o material para download (de fichas, respostas, etc.) esperamos em breve estar disponibilizando este material para que os próprios professores, com o auxílio de seus alunos, possam estar produzindo os jogos em sala de aula, haja vista todos os jogos serem produzidos com material de baixo custo, que muitas vezes está disponível nos almoxarifados das escolas.

      Ristephany Kelly da Silva Leite
      Luana Ramalho de Sá Leite

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