Fabian Filatow


INTRODUÇÃO À HISTÓRIA COM O RECUSO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS


No presente trabalho refletiremos sobre as possibilidades de uso das histórias em quadrinhos para o ensino de História. Partindo da experiência de prática docente na qual foi feito uso desta mídia com estudantes do Ensino Médio. Foi apresentado aos estudantes uma breve introdução ao universo dos quadrinhos, sua história, produção e algumas referências. Realizando a leitura de alguns exemplares previamente selecionados para esta atividade. Identificamos uma maior compreensão por parte dos estudantes sobre os recursos utilizados na construção dos quadrinhos, bem como um interesse na leitura e discussões sobre temas relevantes para a disciplina e da atualidade originadas dos debates efetuados com o trabalho executado em sala de aula. Assim sendo, a proposta deste texto é refletir sobre as possibilidades do uso dos quadrinhos como recurso pedagógico nas aulas de História e apresentar uma prática desenvolvida.

Inseridos no universo dos quadrinhos podemos identificamos publicações produzidas com o propósito de contar o passado histórico. Há publicações de biografias de personalidades da História. Outras retratam a vida de pessoas comuns que estiveram envolvidas em acontecimentos marcantes da História. Existem reportagens e relatos de viagens no formato de quadrinhos. Tudo isso provoca a reflexão sobre qual o potencial deste material para o ensino da História. É necessário que os(as) educadores(as) se apropriem dos seus recursos, das etapas que o compõem, dos elementos.

A interdisciplinaridade é um ponto importante no ensino. Porém, teoria e prática nem sempre andam no mesmo passo, principalmente na Educação Básica. Ainda existem inúmeras barreiras para educadores(as) no momento de colocar em prática a concepção teórica da interdisciplinaridade.

Acredito que a utilização das histórias em quadrinhos pode contribuir positivamente para tirar esta concepção do campo teórico e apresentá-la na prática. Arrisco a afirmar que as histórias em quadrinhos são, por excelência, o campo da interdisciplinaridade. Isto porque se faz necessário a utilização de inúmeros saberes para que possamos nos apropriar das narrativas presentes nas histórias em quadrinhos. Numa única revista de quadrinhos nos deparamos com vários recursos de comunicação, tais como cores, letras, imagens, “sons”, perspectivas, uso de tempos distintos, épocas passadas e futuras, tempos simultâneos, aceleração do tempo, dedução entre outros. É necessário a compreensão deste complexo repertório para que os quadrinhos tenham sentido e sejam compreendidos. É necessário decodificar os signos, as imagens, perceber as nuâncias nas cores, os desenhos etc., e assim contribuir para que os estudantes possam decodificar o que é texto e o que é imagem. Nesta mídia a leitura da imagem é tão importante quanto a leitura do texto ou seja “a alfabetização na linguagem específica dos quadrinhos é indispensável para que o aluno decodifique as múltiplas mensagens neles presentes.” (VERGUEIRO, 2016, p. 31).

Assim como o cinema, a fotografia, os documentos escritos são utilizados como fontes para a produção do conhecimento histórico na sala de aula, também as histórias em quadrinhos oferecem esse potencial. Por que não inserir os quadrinhos como um recurso a mais? A resposta pode estar relacionada com o despreparo do(a) educador(a) frente a esta mídia ou nas visões vulgares sobre este material.

Não podemos nos esquecer que quadrinhos são produtos fabricados pela sociedade humana, assim como qualquer outro documento histórico utilizado em aula. Sua análise pode nos levar a compreender muito mais do que o período histórico retratado, pode abrir janelas para o período no qual foram elaboradas, reeditadas, censuradas. Questionar quais temas contemporâneos norteiam as produções das histórias em quadrinhos? Por que estão sendo publicadas atualmente? Tais questões podem contribuir para refletirmos sobre nossa sociedade atual.

Busco destacar aqui é a utilização das histórias em quadrinhos como fonte para a reflexão histórica no ambiente sala de aula. Iniciar toda a construção do conhecimento partindo-se dos quadrinhos. Com isso não estou indicando que se deva largar o currículo estabelecido, ou que os quadrinhos devam ser utilizados do início ao fim do ano letivo em todas as aulas. Porém, seria viável uma inserção dentro deste período letivo, destacando um tema e abordando-o a partir da análise desta mídia. Fazer uso das histórias em quadrinhos como documentos a serem lidos, decodificados, discutidos e refletidos nas aulas de História certamente se constitui num exercício valioso para todos os envolvidos. Principalmente se nesta atividade estivermos provocando um diálogo interdisciplinar e possibilitando aos estudantes serem protagonistas do seu aprendizado. Em seguida, iremos expor uma prática vivenciada em sala de aula com o uso de quadrinhos.

Pretendemos expor um breve relato da utilização das Histórias em Quadrinhos nas aulas de História. No decorrer do ano de 2018, na EEEM Margot T. N. Giacomazzi, em Canoas, vigorou um projeto no qual foi ofertado aos estudantes do ensino médio noturno minicursos diversos. No primeiro semestre ofertamos dois minicursos utilizando-se das Histórias em Quadrinhos, no primeiro analisamos as Histórias em Quadrinhos e o combate a intolerância e o segundo realizamos uma Introdução à História através das Histórias em Quadrinhos. Apresentamos aqui uma síntese destes dois momentos.

Iniciamos com um breve estudo da histórias das histórias em quadrinhos e dos diferentes contextos históricos nas quais surgiram. Realizamos uma sensibilização sobre a presença e utilização dos símbolos e imagens na vida cotidiana. Partimos das pinturas rupestres até as atuais pinturas urbanas (grafite, pichações, outdoors etc.), passando pelos sinais de trânsito e pelos ícones do mundo digital.

Apresentamos os elementos básicos dos quadrinhos. Realizamos uma diferenciação entre tirinhas, charge e cartum. Ressaltamos que temos nestes materiais a associação entre texto e imagem e esta estabelece uma ideia de complementaridade.

Os quadrinhos podem ser utilizados para pensarmos o conceito de tempo e suas dimensões, tais como sucessão, duração e simultaneidade. (VILELA, 2016, p. 107) Devemos estar atentos para os signos presentes nos quadrinhos e sua contribuição sobre a  passagem do tempo.

“Os elementos visuais utilizados para indicar a passagem do tempo em uma história em quadrinhos (um desenho da Lua para indicar o anoitecer; um relógio na parede de um escritório; uma personagem marcando o cartão de ponto final do expediente) podem ser usados para uma reflexão sobre os diferentes tempos: o tempo da natureza, o tempo do relógio, o tempo da fábrica.” (VILELA, 2016, p. 107)

Por fim, destacamos o flashback. Recurso muito utilizado nas revistas de quadrinhos que nos permite introduzir um conceito de memória e a subjetividade presente na forma de narrar a História.

“(…) uma personagem adulta é retratada quando criança no quadrinho seguinte para mostrar um aspecto da infância. Esse tipo de sequência pode servir para que os alunos reflitam sobre o conceito de memória. Além disso, uma história em quadrinhos pode mostrar um mesmo fato narrado do ponto de vista de diferentes personagens, o que pode contribuir para que os alunos compreendam mais facilmente a existência de diferentes versões da História, assim como a subjetividade presente nelas.” (VILELA, 2016, p. 107)

As Histórias em Quadrinhos mais famosas são aquelas que retratam a vida de super-heróis.  Nestas temos as ideias de justiça, de valores morais, altruísmo, coragem, ética etc. Porém, nem toda história em quadrinhos está restrita a narrar as peripécias de personagens fictícios dotados de super poderes. Mencionamos Persépolis, de Marjane Satrapi, uma biografia que narra a infância vivida ela autora e sua visão sobre a Revolução Islâmica (1979). Outro exemplo de relato de vida inserida num acontecimento histórico é a obra Maus: a história de um sobrevivente, do americano Art Spiegelman, de origem judia, contra a história de seus pais, sobreviventes dos campos de concentração de Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Apresentarei algumas possibilidades do uso dos quadrinhos partindo das experiências realizadas em sala de aula com a utilização da história em quadrinhos intitulada A Busca, escrita por Eric Heuvel.

Em A Busca temos tempos históricos diversos, signos políticos e religiosos e multiplos espaços geográficos. As memórias nos remetem ao tempo da Segunda Guerra Mundial atavés das vidas de pessoas comuns. A fim de amostragem, selecionamos para serem analisadas três cenas.

Na primeira iamgem selecionada (HEUVEL, 2016, p. 11) temos a lembrança realizada pela avó que nos reporta a Alemanha de Adolf Hitler em 1933. É um espaço específico de Berlim, capital alemã, o Portão de Brandemburgo. Temos a lembrança de seus pais ouvindo o avanço de Hitler pelo rádio. Temos numa breve sequência tempos distintos, gerações, memória, símbolos políticos, lugares, meios de informação e o recurso dos balões que unificam as cenas.


IMAGEM 1: HEUVEL, 2016, p. 11.

Na segunda imagem (HEUVEL, 2016, p. 12.), podemos identificar uma leque maior de gerações, a avó que relembra sua vida na escola, seus pais que ficaram horrorizados, a exclusão sofrida na sala de aula através da atitude da professora, tempos atuais (autoban, euro) e o tempo do nazismo na Alemanha. Temos a presença do filho e do neto da avó que conta sua história. Numa sequencia breve temos quatro gerações de uma mesma família. Podemos identificar a pasagem do tempo e a história familiar que unifica a cena.


IMAGEM 2: HEUVEL, 2016, p. 12.

Na terceira e última imagem (HEUVEL, 2016, p. 59.) selecionada podemos perceber o destaque para a produção da fonte escrita, ou seja, o relato produzido no passado pela jovem e recuperado após a passagem dos nazistas e devolvido na atualidade. Uma produção que hoje torna-se fonte histórica. Relatos, tais como os diários, também podem ser uma excelente fontes para pesquisas históricas. Muitos destes materiais oferecem imagem tais como fotografias da época em que foram produzidos, das pessoas que faziam parte da convivência naquele tempo, dos ambientes e espaços geográficos então vivenciados. 


IMAGEM 3: HEUVEL, 2016, p. 59.

Encaminhando alguns apontamentos visando a conclusão desta apresentação, podemos indicar que a prática docente pode se valer e muito dos quadrinhos, pois estes oferecem grande diversidade de emas e possibilidades de abordagens, para tal precisamos nos apropriar deste tipo de mídia. As histórias em quadrinhos configuram-se numa produção artística que nos permite refletir sobre valores e atitudes, bem como sobre as riquezas histórico-cultural. Contribuem de modo interdisciplinar para uma reflexão mais qualitativa dos conteúdos educacionais.

A utilização dos quadrinhos na sala de aula proporciona a realização de um trabalho colaborativo, diversos olhares sobre o mesmo objeto e muitas conexões com outros saberes explorando habilidades e competências. Enfim, inserindo o quadrinho na sala de aula ampliamos este repertório de fontes de informação na nossa prática docente e oferecemos uma diversificação de fontes para os estudantes.

Referências bibliográficas:

Fabian Filatow, licenciado, mestre e doutor em História. Professor de História na rede de ensino da prefeitura de Esteio e da rede estadual do Rio Grande do Sul.

HEUVEL, Eric. A busca. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

RAMOS, Paulo. VERGUEIRO. A leitura dos quadrinhos. 2ª ed. 2ª reimp. São Paulo: Contexto, 2018.

SATRAPI, Marjane. Persépolis. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SPIEGELMAN, Art. Maus: a história de um sobrevivente. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

VERGUEIRO, Waldomiro. A linguagem dos quadrinhos uma “alfabetização” necessária. In: BARBOSA, Alexandre; RAMOS, Paulo et al. (orgs). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 4ª ed. 3ª reimp. São Paulo: Contexto, 2016.

VILELA, Túlio. Os quadrinhos na aula de História. In: BARBOSA, Alexandre; RAMOS, Paulo et al. (orgs). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 4ª ed. 3ª reimp. São Paulo: Contexto, 2016.

2 comentários:

  1. Prezado Fabian, sua iniciativa é bastante interessante. Você já pensou em outras referências teóricas para a análise dos quadrinhos? Conhece MCCLOUD, S. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books, 1995.?

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  2. Olá José, tudo bem!
    Estou me aventurando aos poucos no mundo dos HQs como recurso pedagógico, para fins do ensino de História. O Autor que você mencionou em não conhecia. Mas vou procurá-lo certamente. Aproveito para agradecer pela dica bibliográfica que com certeza irá contribuir para desenvolver um trabalho melhor. Forte abraço.

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