Leonardo Candido Batista


O ANTIGO EGITO NO IMAGINÁRIO OCIDENTAL


Tutancâmon e o final do período de Amarna

Antes de apontarmos como a imagética do Antigo Egito tocou o mundo ocidental, é importante destacar quem foi Tutancâmon (cerca de 1327-1336 a.C.  O jovem faraó assumiu em um período conturbado, teve que lidar com a mudança religiosa imposta por (Amenófis IV 1353 – 1336 a.C, conhecido mais tarde também por Akhenaton), na qual mudou todo o plano religioso egípcio para uma religião intrinsicamente monoteísta. Nicolas Grimal (1996, p.257) explica que provavelmente Smenkhare primeiro e depois Tutancâmon, que deviam ser os únicos herdeiros homens de Akhenaton. Não se sabe ao certo o parentesco entre Akhenaton e seus sucessores, alguns especialistas como Jacobus Van Dijk (2007, p.380) o consideram pai de Tutancâmon, agora outros como Grimal (1996, p.257) enxergam a probabilidade de ele ser primo ou sobrinho de seu antecessor.

Smenkhare governou por pouco tempo, assim Tutancâmon, o faraó menino sentava em um dos tronos mais importantes do bronze tardio, com apenas nove anos, foi o faraó mais jovem de sua dinastia (XVIII). Apesar da de toda a pompa funerária e luxo encontrada em sua tumba, Tutancâmon não foi um soberano tão poderoso igual seus antecessores, como ainda era um menino, seu governo sofreu muito a influência do chefe do exército (Horemreb), esse inclusive que estaria bem insatisfeito com as mudanças do governo de Akhenaton, e teria aconselhado Tutancâmon a tomar decisões para a restauração da política existente antes do período de Amarna, inclusive mudar a capital de Akhetaton para Mênfis.

Grimal (1996, p. 258) fala que Akhetaton deixou de ser habitada pela corte pouco a pouco sendo abandonada completamente depois de trinta anos. Ali só foi deixando o que era considerado sem valor: resto das atividades dos artesões, cópias de correspondência diplomáticas (as cartas de Amarna), etc.

Assim se restabeleceram os velhos cultos, com Tebas voltando ao centro religioso do Egito. Van Dikj (2007, p.380) argumenta que foi aí que Tutancâmon mudou o seu nome e acrescentou o epiteto de “Soberano de Heliópolis do sul”, uma referência deliberada a Karnak como centro do culto do deus Amon-Rá. Também de mudou o nome de sua grande esposa real e meia-irmã, Ankhesenpaaton, por Ankhesenpaamon. Vemos assim que houve uma volta aos cultos da principal divindade Amon-Rá, que fora substituído pelo Atonismo, ou a infame Heresia de Amarna. Toda essa retomada foi escrita como um orgulhoso feito:

“O documento mais importante de todo o reinado de Tutancâmon é a chamada Estela da Restauração, que oferece uma descrição extremamente negativa do estado em que as reformas de Akhenaton havia deixado: como os templos dos deuses viraram ruinas e seus cultos abolidos, os deuses haviam abandonado o Egito, rezavam, mas não respondiam, e quando o exército foi enviado a Síria para ampliar os limites do Egito, não teve êxito. A importância da última frase talvez explique o porquê o exército deixou de apoiar a política amárnica. Durante o reinado de Akhenaton, os hititas que se converteram na principal potência do norte, derrotaram o Mitani que era aliado egípcio. Alguns vassalos egípcios, como Aziru e Umurru, tentaram criar um novo estado tampão entre as superpotências rivais” (DIKJ, 2007, p.381).

Essa deterioração do exército (embora é erróneo pensar que Akhenaton fosse um faraó pacífico, já que existe indícios de atividades militares em seu reinado) foi importante para que Tutancâmon impusesse essas mudanças, fora o apelo dos antigos sacerdotes que haviam perdido seu prestígio. Em suma esse foi o maior legado do faraó menino para o Egito.

A Descoberta de Tutancâmon

A descoberta da tumba de Tutancâmon ficou no encargo do arqueólogo britânico Howard Carter em 1922, em uma expedição bancada pelo milionário Lorde Carnavon. Carter trabalhou em escavações no Vale dos Reis até 1914, quando elas foram paradas devido aos eventos da Primeira Guerra. Foi uma busca praticamente implacável, pois nessa época não existiam radares nem todo os aparatos da moderna arqueologia.

O evento que revolucionou as várias concepções e imagens do Egito ocorreu em 4 de novembro de 1922, quando Carter encontrou os degraus que levavam a tumba. Carter avisou Carnavon sobre a descoberta e esperou alguns dias até ele chegar ao Egito. Quando chegaram a antecâmara, Carnavon perguntou se Carter via alguma coisa, esse então falou para a clássica frase: “Sim, coisas maravilhosas”, e lá estava todo o pomposo tesouro do jovem faraó.

Foi em 16 de fevereiro que Carter pode abrir a porta selada, levando até levando até a câmara da tumba de Tutancâmon. Carter virou uma celebridade, já que descobriu a tumba mais intacta do Vale dos Reis:

“A descoberta em 1922 da tumba de Tutancâmon abriu os olhos de um horrorizado público para uma expansão completa da riqueza e poder faraónico. O sepultamento do rei menino ofereceu uma única compreensão do que foi um vale cheio de reis e rainhas, linhagens reais, oficiais e animais mimados de três dinastias e cinco séculos – e a maior acumulação de barras de ouro do mundo antigo. Tutancâmon se azarado em vida, em morte foi imensamente afortunado, escapando o passar do milênio relativamente ileso. Para seus companheiros de viagem, o destino foi menos generoso: com muitas poucas exceções suas tumbas foram extensamente roubadas e saqueadas, eficientemente desmanteladas e escavadas por curiosos por mais de 3000 mil anos. Tão completa foi a destruição que pode ser razoável duvidar de tudo que sobrou para marcar suas existências. Arqueólogos do passado e do presente juntaram um vasto lago de evidências e em cada wadis 80 ou mais tumbas e buracos, grandes ou pequenos, decorados ou bruscamente lavradas, parecem ter seus mais ou menos contos eloquentes próprios para contar – de rei, sacerdotes, nobres, de ritual e mágica, e o conceito faraônico da ganância humana” (REEVES e WILKINSON, 1996, p. 84).

É importante deixar claro que as maldições relacionadas a faraós já existiam antes da descoberta de Tutancâmon, elas apenas se multiplicaram com esse feito. O mito se baseia que todos os envolvidos no descobrimento de Tutancâmon foram mortos por uma maldição. Uma vingança por impedir o sono eterno ansioso de imortalidade do faraó menino. O caso mais curioso foi o de Lord Carnavon pegou uma erisipela da picada de um mosquito que resultou em uma septicemia e pneumonia, e o que se pensava na época é que todo homem até o seu cachorro por mais obscuro que fosse seu contato com o descobrimento seria infligido pela maldição.

Tutancâmon, múmias e o antigo Egito no imaginário Ocidental

A fascinação pelo Egito começou bem antes do descobrimento de Tutancâmon, como descreve Richard A. Fazzini (1988, p.34) com a expedição napoleônica se iniciou também o descobrimento arqueológico do Egito. Também foi possível uma representação mais fiel dos elementos dessa cultura, na literatura, na arte, na arquitetura, nos decorados teatrais e em outras manifestações. John Baines e Jaromir Malék (1996, p.222) complementam falando que embora a cultura egípcia tivesse influenciado vários povos à volta do mediterrâneo desde o segundo milênio, os romanos foram os primeiros a mostrar interesses por objetos egípcios pelo próprio fato de serem egípcios, interesse esse colorido, posteriormente, pela visão grega do Egito como repositório da sabedoria esotérica, e manifestado numa imitação superficial da arte egípcia, sem uma compreensão do seu caráter básico.  Essa fascinação já é observada pelos gregos, ocupando um lugar em especial no seu imaginário, como descreve François Hartog (2004, p. 59). Então bem antes de Napoleão ou da descoberta da tumba de Tutancâmon, já existia uma tradição grega de pensar o Egito, na qual não nos aprofundaremos aqui, mas que é importante ter em mente:

“Mas não há apenas um olhar, um “modelo” único ou unificado. Se há, todavia, um traço de longa duração (embora pós-homérico), é evidentemente o de sua antiguidade. Viajar no Egito significará, para um intelectual grego, remontar no tempo e entrever seu começo, para recolher um relato ou ter à mão um discurso verossímil sobre o início da vida civilizada em geral ou de tal ou qual prática cultural. Os egípcios são “os primeiros a...” – Segundo o esquema do “primeiro inventor”, muito empregado pela história cultural grega. Em suma, fazer a viagem do Egito é, para um grego, um meio de ter “mais lembranças que se tivesse mil anos”! Encontrar a memória que ele não tem ou reencontrar a que ele não tem mais. Pitágoras, o homem-memória, devia fatalmente encontrar a terra do Egito” (HARTOG, 2004, p.59).

A imagem do faraó Tutancâmon, conhecido pelo também pelo apelido Tut é conhecida pelo menos de senso comum por todas as pessoas. Ele automaticamente leva as mentes até o mundo egípcio, mesmo que com imagens estereotipas e de conotações ocidentais. Muitos discursos se apropriaram do antigo Egito, com visões místicas, sendo muito romantizadas pelos filmes hollywoodianos, com múmias e suas maldições, ou idealizadas com atores brancos nos papeis de faraós e outros personagens dessa sociedade. Essa influência do Egito na sociedade ocidental está junto com o “Orientalismo” que tanto influenciou o discurso eurocêntrico, como Edward Said comenta:

“Por Orientalismo quero dizer várias coisas, todas, na minha opinião, interdependentes. A designação mais prontamente aceita para o Orientalismo é acadêmica, e certamente o rótulo ainda têm serventia em várias instituições acadêmicas” (SAID, 2003, p.30).

As fotografias, os museus, os filmes contribuíram para trazer e familiarizar o Egito e sua cultura para o mundo, essas imagens representaram bem o Egito, mesmo longe das pessoas. Como destaca Roger Chartier (2002, p.165) o efeito-representação do duplo sentido, de presentificação do ausente – ou do morto- e de auto-representação instituindo o tema de olhar no afeto e no sentido, a imagem é simultaneamente a instrumentalização da força, o meio da potência e sua e sua fundação em poder. Um duplo sentido, uma dupla função deste modo atribuídos à representação: tornar presente uma ausência, mas também exibir sua própria presença enquanto imagem e assim constituir aquele que a olha como sujeito que olha.

Assim essas representações de imagem do Egito de certa forma trazem aquela civilização tão distante dos nossos dias:

“Coleções sobre o Egito em museus pelo mundo ocidental fez os artefatos dessa antiga civilização se tornaram familiar para todos nós. Corpos mumificados, tumbas, esculturas, inscrições hieroglíficas, e pinturas estilizadas são imediatamente reconhecidas como sendo derivadas das terras do Nilo. Nos dias de hoje, com comunicação instantânea, facilidade em viagens, e uma imensa tesouraria de trabalho publicados, imagens fotográficas e descobertas arqueológicas prontamente disponíveis, poderia se pensar que desse misterioso Egito – a terra dos faraós onde estranhas divindades presidiam sobre a teologia de imensa complexibilidade – se tornou menos remoto. Ainda podemos achar esses corpos secos, os olhos encarando das máscaras pintadas, os vasos canópicos com seus conteúdos sombrios, fascinam e espantam bastante, esperando uma chamada de ressurreição que nunca aconteceu. As tumbas saqueadas, as poderosas pirâmides, os templos arruinados, e a esfinge castigada pelo tempo, nos movem com suas antiguidades, com suas auras curiosas, suas escalas gigantes e suas ninhadas massivas de solenidade” (CURL, 2005, p.2).

Annateresa Fabris (1998, p.29) comenta o impacto que a fotografia trouxe para a curiosidade sobre o mundo oriental, sendo que representa a concretização de “grande sonho coletivo”, pois os primeiros temas das fotografias exóticas se concretam nos lugares e nos símbolos privilegiados pelas Cruzadas, ruinas greco-romanas. Os fotógrafos assim não procuram lugares inéditos, procuram reconhecer os lugares já existentes, como visões imaginárias, nas fantasias inconscientes das massas, criando arquétipos- estereótipos que confirmariam uma visão já existente e conformariam a visão das gerações. Assim podemos entender como funciona essa justaposição da visão do europeu sobre ocidente, como destaca Said (2003, p.34) de com modo bem constante, a estratégia do Orientalismo depende dessa posição de superioridade flexível, que põe o ocidental em toda uma série de possíveis relações com Oriente sem jamais lhe tirar o relativo domínio.

Como explica Fazzini (1988, p.35) as exposições de arte egípcia (algumas das quais com os tesouros de Tutancâmon, suscitaram uma renovação pelo interesse no Egito), o aumento do turismo no Egito, o aumento da educação e o maior respeito do Ocidente pela arte não ocidental. Igual no século XIX, a arte egípcia segue influenciando as obras de arquitetos, artistas e desenhistas, que apesar de seus interesses por essa arte, não caem em uma imitação servil. Como destaca Said (2003, p.31) o Oriente é uma ideia que tem uma história e uma tradição de pensamento, um imaginário e um vocabulário que lhe deram realidade e presença no e para o Ocidente. As duas entidades geográficas, portanto, sustentam e, em certa medida, refletem uma a outra.

A questão estereotipada que essas primeiras imagens trouxeram são bem vigentes em nossa sociedade, basta olhar para o mundo egípcio, repleto de pirâmides e sarcófagos luxuosos. Nisso criou-se essa perspectiva de o Egito ser um mundo mórbido, um mundo onde as pessoas viviam já pensando na morte. Esse estereótipo se fortaleceu com a quantidade de filmes e romances que saíram ao longo do tempo sobre o Egito. De múmias e maldições que assolariam as pessoas que abrissem as tumbas e impedissem o descanso dos faraós. Jasmine Days (2006, p. 64) fala que da descoberta da tumba de Tutancâmon e os contos de sua maldição levaram a Egiptomania em um novo século. A mídia enriqueceu a lenda da maldição, estabelecendo isso uma garantia de vendas de livros e jornais. Eles rapidamente se tornaram a suprema influência sobre a percepção pública do Antigo Egito, a tomada de controle dos acadêmicos, e o deslocamento de atenção, das minucias das práticas arqueológicas, em relação a descobertas sensacionais e vinganças de múmias. A dominação da mídia sobre a Egiptomania tornou-se completa no meio do cinema. Assim exercendo uma construção da imagem do Egito na sociedade ocidental:

“Outros aspectos reais e imaginários da cultura do antigo Egito seguem fascinando o Ocidente e exercendo uma influência em sua cultura. Para dizer a verdade, antes da idade do outro e das produções cinematográficas, houveram obras teatrais, óperas (Aida, em particular) novelas históricas e até relatos fantásticos e de terror (os temas egípcios apareceram no século XIX muito antes de que se difundisse pelo mundo a notícia da “maldição” da tumba de Tutancâmon) que presentava ao público uma imagem mais ou menos fiel da cultura egípcia. Também sua influência está presente na publicidade e nas embalagens de diversos artigos, especialmente cigarros e produtos de beleza. Os modernos meios de comunicação, herdeiros não só da tradição de Hollywood, mas das obras dos séculos XVIII e XIX, perpetuam mitos antigos e modernos sobre o Egito, como que suas origens se rematam a Atlântida, da influência de extraterrestes ou do “poder das pirâmides” (FAZZINI, 1988, p. 35).

O filme clássico e que depois levou e influenciou o cinema a fazer mais foi “A Múmia” (The Mummy) de 1932, dez anos depois do descobrimento de Tutancâmon. É um filme lançado pela Universal, dirigido por Karl Freud e estrelando Boris Karloff. O filme conta a história do sacerdote Imhotep, que volta dos mortos depois que um pergaminho é encontrado por um arqueólogo. O Enredo envolve terror e romance, e no final Imhotep é destruído quando queimado o tal pergaminho. Algumas tumbas funerárias contêm avisos, mas não chegam a ser maldições como as mostradas nos filmes hollywoodianos. São mais textos que evocam a ira dos deuses contra os saqueadores de tumbas, nas quais teriam os pescoços quebrados ou pegariam doenças. Fazzini (1988, p. 35) explica que Hollywood e seus imitadores utilizaram desde o princípio, com grau muito variável de fidelidade histórica e artística, espetáculos baseados em temas egípcios aptos para fascinar um vasto público. Outra influência decisiva sobre a percepção popular justa ou errada do antigo Egito e de sua arte provem da televisão, das histórias ilustradas norte americanas (que não somente são feitas para as crianças). Assim podemos observar como essa imagem distorcida do Egito, ligada fortemente com o discurso “Orientalista”, sendo assim o oriente como uma criação do ocidente, mostrando o mundo oriental em figuras exóticas envoltas de misticismos e incapazes. Imagens que o ocidente tira do oriente como contraste para legitimar-se:

“O Orientalismo, portanto, não é uma visionária fantasia europeia sobre o Oriente, mas um corpo elaborado de teoria e prática em que, por muitas gerações, tem–se feito um considerável investimento material. O investimento continuado criou o Orientalismo como um sistema de conhecimento sobre o Oriente, uma rede aceita para filtrar o Oriente no pensamento ocidental, assim como o mesmo investimento multiplicou – na verdade, tornou verdadeiramente produtivas – as afirmações que transitam do Orientalismo para a cultura geral” (SAID, 2003, p.33-34).

Como destaca John Baines e Jaromik Malék (1996, p.220) a mumificação é um método de preservar artificialmente os corpos das pessoas e animais mortos. A civilização do antigo Egito não foi a única no mundo a ter praticado esse costume, mas as múmias egípcias são as mais conhecidas e tendem frequentemente, para pesar dos egiptólogos profissionais, a ser consideradas como a encarnação do próprio Egito antigo e principal objeto de interessa para aqueles que o estudam. As múmias podem contribuir de várias formas para o nosso conhecimento, em especial porque fornecem informação sobre assuntos como as doenças e o estado dos antigos egípcios e sua alimentação, etc. No caso das múmias reais, estas podem melhorar a nossa compreensão da cronologia egípcia ao ajudarem a estabelecer a idade de um rei na altura de sua morte; o exame das múmias permite também descobrir relações de família. Mesmo assim as múmias não escapam do discurso imagético estereotipado que foram atribuídas com o tempo.  

É uma questão estereotipada, pois as fotos, o cinema, as revistas, e todo o tipo de contato imagético apenas mostram uma parcialidade da sociedade egípcia. Eriksen (1993, p. 22) explica quando dois indivíduos se encontram pela primeira vez, a primeira informação que eles tentam juntar do outro seria seu conjunto étnico. Com isso estabelecido eles saberiam grosseiramente como ser comportar com o outro. Quando se sabe um padrão étnico, pode-se saber que tipo de comportamento ter em relação ao outro. Os membros de cada grupo têm noções particulares dos vícios e virtudes dos outros. Assim Eriksen declara que quando tais noções se tornam parte e parcela do “conhecimento cultural” de um grupo, e elas se tornam regulares e uma espécie de guia nas relações, assim podemos descrever essas características como estereótipos étnicos. Ainda seguindo a ideia de Eriksen, o conceito de estereótipo refere-se a criação e a aplicação consistente de noções de padronização e de distinção cultural de um grupo.

Mas é importante destacar como a mídia absorve todas essas condições e as transforma em subprodutos culturais:

“O antigo Egito está sendo manipulado em ordem para criar novos significados para velhas imagens, então esses veneráveis temas podem ser colocados para trabalhar na cultura de hoje. Juntas as pessoas negociam significados padrões para motivos e estabelecer a maneira de seus usos em contextos particulares. Traçando o desenvolvimento das imagens ficcionais de múmias sobre o tempo como elas se tornaram bastante abstratas de suas fontes, eu sugiro que problemas sociais modernos e suas crenças, devem ter influenciado os criadores de múmias ao retrata-las em modos particulares. Eu posso demonstrar as derivações de múmias de seus homólogos dos imaginários no começo. Finalmente, eu posso mostrar com seus traços manipulados foram feitas para servir causas particulares, e como elas influenciaram não somente a aparência e a função de suas descendentes ficcionais, mas também a reação de quem visita museus e ver múmias reais” (DAYS, 2006, p.2-3).

Referências
Leonardo Candido Batista, Mestre em História Social pela UEL

DAYS, Jasmine. The Mumy´s Curse: Mummymania in the English-speaking World. London: Routledge, 2006.

ERIKSEN, T.H. Ethnicity and Nationalism: Anthropological Perspectives. London: Pluto Press, 1993.
FABRIS, Annateresa. A Invenção da Fotografia: Repercussões Sociais. In: Fabris (org.). Fotografia: Uso e Funções no Século XIX. São Paulo: Edusp, 1991.
FAZZINI A., Richard. El Egipto de los Faraones. El arte faraónica y la imaginación moderna. El Correo, Septiembre 1988.
GRIMAL, Nicolas. Historia del Antiguo Egipto. Madrid: Akal, 1996.
HARTOG, François. Memórias de Ulisses: Narrativas sobre a fronteira na Grécia antiga. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
REEVES, Nicholas and WILKINSON H, Richard. The Complete Valley of the Kings: Tombs and Treasures of Egypt´s Greatest Pharaohs. London; Thames and Hudson, 1996.
SAID W, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
VAN DIJK, JACOBUS. El Período Amárnico y El Final del Reino Nuevo. In: Shaw (org). Historia Del Antiguo Egipto. Madrid; La esfera de los Libros, 2007.

4 comentários:

  1. Olá Leonardo, parabéns pelo texto está incrivel. Você menciona que o cinema, a fotografia, as revistas, enfim, as mídias em geral acabam por dispersar um estereótipo sobre o Egito, principalmente em relação as múmias, como podemos trabalhar em sala esses tipos de documentos para a desmistificação desses estereótipos?
    Obrigada.
    Julia Mahamut Garcia

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    1. Fico grato por você ter gostado do meu artigo, Julia! As primeiras imagens que temos do antigo Egito são essas que estão na mídia, principalmente nos filmes. Difícil encontrar uma pessoa que não tenha assistido A múmia de 1999 com Brendan Fraser e Rachel Weisz, não? Toda essa influência que recebemos está imbuída de um conteúdo Orientalista, ou seja, o oriente visto do ponto de vista do ocidente. Os alunos, tanto do fundamental quanto do médio estarão enviesados com essas ideias sobre o mundo egípcio, o que pode despertar muito a curiosidade deles em um primeiro momento, porque a romantização feita pelo Orientalismo é sedutora e exótica, e pode servir de abertura para desconstrução e uma abordagem mais crítica para esse período histórico. Eu recomendo a leitura do Said, na qual já comentei e está na referência do artigo, ele fornece ferramentas para pensarmos essa questão de analisar as sociedades da antiguidade e modernas, mas é claro que transpor essas ideias para sala de aula não é uma tarefa fácil. Infelizmente nosso ensino universitário sobre antigo Egito e Mesopotâmia é meio deficitário em relação a Grécia Clássica ou Roma, isso por razões de pensamento eurocêntrico, como esses últimos sendo os fornecedores de conceitos como democracia, república e nossas modernas instituições. O resultado disso é uma diversidade de livros didáticos muito simplórios sobre antiguidade oriental, que não dão conta de explicar a complexibilidade dessas sociedades de forma satisfatória, fora que muitos professores também não conseguem abordar o tema com certo domínio. Eu acho que esse simpósio virtual ajuda a divulgar discussões historiográficas pontuais, e seu fácil acesso pode fornecer para muitos professores e estudantes textos quem podem trazer novas problemáticas em sala de aula, se assim aplicados. As fontes são muitas, eu particularmente gosto do papiro de Hunefer, na qual mostra o mesmo em busca da imortalidade no pós-morte, tendo seu coração pesado para que esteja em equilíbrio com a Maat. Com isso podemos descontruir a imagem de um Egito mórbido e mostrar que a morte era parte dessa sociedade, sendo uma passagem alegre até o mundo dos mortos.

      Atenciosamente, Leonardo Candido Batista.

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  2. O artigo apresenta o Orientalismo, deixando clara a ideia de que não se trata apenas dos estudos sobre as civilizações orientais, mas também a forma como o Ocidente enxerga o outro, a partir das suas diferenças, empregando uma imagem mítica, totalmente preconceituosa e absoluta sobre essas civilizações, mas tudo feito com pouquíssimas comprovações históricas, ausência que fica clara na obra de Edward Said.

    Leonardo C. Batista, corroborando com o apresentado, o Orientalismo se popularizou como campo de estudo a partir do século XVIII, desenvolvendo-se no século XIX. Em seu artigo somos expostos a uma crítica brilhante a mídia hollywoodiana, sendo utilizado como exemplo o filme “A Múmia” (1932), como material que alimenta o fascínio e a visão ocidental sobre o Egito Antigo. No entanto, tendo em vista a continuidade dessas produções, cito como exemplo o filme “Deuses do Egito” (2016), podemos dizer que a Egiptomania, continua validando e propagando ideologias do Orientalismo, ao apresentar, no século XXI, deuses egípcios de etnias diferentes das comprovadas em anos de estudos históricos.

    Dessa forma, podemos afirmar que o Orientalismo permanece subjugando as pesquisas históricas? Se sim, como nós poderíamos atuar a fim de desmistificar essa visão eurocêntrica que perpetua por quase quatro séculos?

    Muito obrigado pelo trabalho apresentado.

    At.te
    Caio Filipe dos Santos Negreiros

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  3. Fico grato pela leitura do texto, Caio. De fato, Hollywood e outras mídias continuam a abastecer o imaginário das pessoas com essas imagens fantásticas do antigo Egito, como muito bem você citou nesse filme mais recente. Como nos desvincularmos desse aspecto eurocêntrico sobre estudos do antigo Egito e Oriente Próximo é uma questão muito complexa, e praticamente sem uma resposta satisfatória de como começar a ter uma pesquisa nesse âmbito, até porque as metodologias que usamos para fazermos nossas pesquisas (sendo o próprio conceito de universidade em si) , são características de ideias europeias que hoje estão em toda a sociedade moderna.

    O que sucede é que o Orientalismo, quando encontra o eurocentrismo, difunde a ideia de como pensamos, aqui no caso o mundo antigo. Sendo assim, o eurocentrismo influi nos estudos sobre o Egito, veja que hoje as pessoas que vivem hoje lá falam árabe, fora os inúmeros interessados nesse assunto.

    Mesmo nos dias de hoje, a egiptologia continua sendo feita em língua europeia, e abordada pelas universidades e museus. Podemos dizer que a falta de interesse desses povos por sua história (muito em conta por causa do imperialismo) corroboraram para que o eurocentrismo fizesse suas ideologias sobre a história desses lugares algo natural. É característico que desde o início a egiptologia esteve sempre assegurada pelo controle anglo-francês, nas quais ditavam os orçamentos, leis, taxas das universidades, fiscalização das antiguidades e museus, assegurando o domínio eurocêntrico desde então.

    Não existe uma receita que podemos tomar de pronto para desmistificarmos esses conceitos, todavia é sempre bom fazermos uma crítica mais elaborado que fuja do convencional, essas que existem nos manuais em geral, para que possamos estar cientes que essa sempre será uma perspectiva pautada em estudos feitos por universidades europeias e norte-americanas, e nós aqui no Brasil absorvemos, querendo ou não, essas influências como que por segunda intenção.

    Atenciosamente, Leonardo Candido Batista.

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