Tutancâmon e o final do período de
Amarna
Antes
de apontarmos como a imagética do Antigo Egito tocou o mundo ocidental, é
importante destacar quem foi Tutancâmon (cerca de 1327-1336 a.C. O jovem faraó assumiu em um período
conturbado, teve que lidar com a mudança religiosa imposta por (Amenófis IV 1353
– 1336 a.C, conhecido mais tarde também por Akhenaton), na qual mudou todo o
plano religioso egípcio para uma religião intrinsicamente monoteísta. Nicolas
Grimal (1996, p.257) explica que provavelmente Smenkhare primeiro e depois
Tutancâmon, que deviam ser os únicos herdeiros homens de Akhenaton. Não se sabe
ao certo o parentesco entre Akhenaton e seus sucessores, alguns especialistas
como Jacobus Van Dijk (2007, p.380) o consideram pai de Tutancâmon, agora
outros como Grimal (1996, p.257) enxergam a probabilidade de ele ser primo ou
sobrinho de seu antecessor.
Smenkhare
governou por pouco tempo, assim Tutancâmon, o faraó menino sentava em um dos
tronos mais importantes do bronze tardio, com apenas nove anos, foi o faraó
mais jovem de sua dinastia (XVIII). Apesar da de toda a pompa funerária e luxo
encontrada em sua tumba, Tutancâmon não foi um soberano tão poderoso igual seus
antecessores, como ainda era um menino, seu governo sofreu muito a influência
do chefe do exército (Horemreb), esse inclusive que estaria bem insatisfeito
com as mudanças do governo de Akhenaton, e teria aconselhado Tutancâmon a tomar
decisões para a restauração da política existente antes do período de Amarna,
inclusive mudar a capital de Akhetaton para Mênfis.
Grimal
(1996, p. 258) fala que Akhetaton deixou de ser habitada pela corte pouco a
pouco sendo abandonada completamente depois de trinta anos. Ali só foi deixando
o que era considerado sem valor: resto das atividades dos artesões, cópias de
correspondência diplomáticas (as cartas de Amarna), etc.
Assim
se restabeleceram os velhos cultos, com Tebas voltando ao centro religioso do
Egito. Van Dikj (2007, p.380) argumenta que foi aí que Tutancâmon mudou o seu
nome e acrescentou o epiteto de “Soberano de Heliópolis do sul”, uma referência
deliberada a Karnak como centro do culto do deus Amon-Rá. Também de mudou o
nome de sua grande esposa real e meia-irmã, Ankhesenpaaton, por Ankhesenpaamon.
Vemos assim que houve uma volta aos cultos da principal divindade Amon-Rá, que
fora substituído pelo Atonismo, ou a infame Heresia de Amarna. Toda essa
retomada foi escrita como um orgulhoso feito:
“O
documento mais importante de todo o reinado de Tutancâmon é a chamada Estela da
Restauração, que oferece uma descrição extremamente negativa do estado em que
as reformas de Akhenaton havia deixado: como os templos dos deuses viraram
ruinas e seus cultos abolidos, os deuses haviam abandonado o Egito, rezavam,
mas não respondiam, e quando o exército foi enviado a Síria para ampliar os
limites do Egito, não teve êxito. A importância da última frase talvez explique
o porquê o exército deixou de apoiar a política amárnica. Durante o reinado de
Akhenaton, os hititas que se converteram na principal potência do norte,
derrotaram o Mitani que era aliado egípcio. Alguns vassalos egípcios, como
Aziru e Umurru, tentaram criar um novo estado tampão entre as superpotências
rivais” (DIKJ, 2007, p.381).
Essa
deterioração do exército (embora é erróneo pensar que Akhenaton fosse um faraó
pacífico, já que existe indícios de atividades militares em seu reinado) foi
importante para que Tutancâmon impusesse essas mudanças, fora o apelo dos
antigos sacerdotes que haviam perdido seu prestígio. Em suma esse foi o maior
legado do faraó menino para o Egito.
A Descoberta de Tutancâmon
A
descoberta da tumba de Tutancâmon ficou no encargo do arqueólogo britânico
Howard Carter em 1922, em uma expedição bancada pelo milionário Lorde Carnavon.
Carter trabalhou em escavações no Vale dos Reis até 1914, quando elas foram
paradas devido aos eventos da Primeira Guerra. Foi uma busca praticamente implacável,
pois nessa época não existiam radares nem todo os aparatos da moderna
arqueologia.
O
evento que revolucionou as várias concepções e imagens do Egito ocorreu em 4 de
novembro de 1922, quando Carter encontrou os degraus que levavam a tumba.
Carter avisou Carnavon sobre a descoberta e esperou alguns dias até ele chegar
ao Egito. Quando chegaram a antecâmara, Carnavon perguntou se Carter via alguma
coisa, esse então falou para a clássica frase: “Sim, coisas maravilhosas”, e lá
estava todo o pomposo tesouro do jovem faraó.
Foi
em 16 de fevereiro que Carter pode abrir a porta selada, levando até levando
até a câmara da tumba de Tutancâmon. Carter virou uma celebridade, já que
descobriu a tumba mais intacta do Vale dos Reis:
“A
descoberta em 1922 da tumba de Tutancâmon abriu os olhos de um horrorizado
público para uma expansão completa da riqueza e poder faraónico. O sepultamento
do rei menino ofereceu uma única compreensão do que foi um vale cheio de reis e
rainhas, linhagens reais, oficiais e animais mimados de três dinastias e cinco
séculos – e a maior acumulação de barras de ouro do mundo antigo. Tutancâmon se
azarado em vida, em morte foi imensamente afortunado, escapando o passar do
milênio relativamente ileso. Para seus companheiros de viagem, o destino foi
menos generoso: com muitas poucas exceções suas tumbas foram extensamente
roubadas e saqueadas, eficientemente desmanteladas e escavadas por curiosos por
mais de 3000 mil anos. Tão completa foi a destruição que pode ser razoável
duvidar de tudo que sobrou para marcar suas existências. Arqueólogos do passado
e do presente juntaram um vasto lago de evidências e em cada wadis 80 ou mais
tumbas e buracos, grandes ou pequenos, decorados ou bruscamente lavradas,
parecem ter seus mais ou menos contos eloquentes próprios para contar – de rei,
sacerdotes, nobres, de ritual e mágica, e o conceito faraônico da ganância
humana” (REEVES e WILKINSON, 1996, p. 84).
É
importante deixar claro que as maldições relacionadas a faraós já existiam
antes da descoberta de Tutancâmon, elas apenas se multiplicaram com esse feito.
O mito se baseia que todos os envolvidos no descobrimento de Tutancâmon foram
mortos por uma maldição. Uma vingança por impedir o sono eterno ansioso de
imortalidade do faraó menino. O caso mais curioso foi o de Lord Carnavon pegou
uma erisipela da picada de um mosquito que resultou em uma septicemia e
pneumonia, e o que se pensava na época é que todo homem até o seu cachorro por
mais obscuro que fosse seu contato com o descobrimento seria infligido pela
maldição.
Tutancâmon, múmias e o antigo Egito no
imaginário Ocidental
A
fascinação pelo Egito começou bem antes do descobrimento de Tutancâmon, como
descreve Richard A. Fazzini (1988, p.34) com a expedição napoleônica se iniciou
também o descobrimento arqueológico do Egito. Também foi possível uma
representação mais fiel dos elementos dessa cultura, na literatura, na arte, na
arquitetura, nos decorados teatrais e em outras manifestações. John Baines e
Jaromir Malék (1996, p.222) complementam falando que embora a cultura egípcia
tivesse influenciado vários povos à volta do mediterrâneo desde o segundo
milênio, os romanos foram os primeiros a mostrar interesses por objetos
egípcios pelo próprio fato de serem egípcios, interesse esse colorido,
posteriormente, pela visão grega do Egito como repositório da sabedoria
esotérica, e manifestado numa imitação superficial da arte egípcia, sem uma
compreensão do seu caráter básico. Essa
fascinação já é observada pelos gregos, ocupando um lugar em especial no seu
imaginário, como descreve François Hartog (2004, p. 59). Então bem antes de
Napoleão ou da descoberta da tumba de Tutancâmon, já existia uma tradição grega
de pensar o Egito, na qual não nos aprofundaremos aqui, mas que é importante
ter em mente:
“Mas
não há apenas um olhar, um “modelo” único ou unificado. Se há, todavia, um
traço de longa duração (embora pós-homérico), é evidentemente o de sua
antiguidade. Viajar no Egito significará, para um intelectual grego, remontar
no tempo e entrever seu começo, para recolher um relato ou ter à mão um
discurso verossímil sobre o início da vida civilizada em geral ou de tal ou
qual prática cultural. Os egípcios são “os primeiros a...” – Segundo o esquema
do “primeiro inventor”, muito empregado pela história cultural grega. Em suma,
fazer a viagem do Egito é, para um grego, um meio de ter “mais lembranças que
se tivesse mil anos”! Encontrar a memória que ele não tem ou reencontrar a que
ele não tem mais. Pitágoras, o homem-memória, devia fatalmente encontrar a
terra do Egito” (HARTOG, 2004, p.59).
A
imagem do faraó Tutancâmon, conhecido pelo também pelo apelido Tut é conhecida
pelo menos de senso comum por todas as pessoas. Ele automaticamente leva as
mentes até o mundo egípcio, mesmo que com imagens estereotipas e de conotações
ocidentais. Muitos discursos se apropriaram do antigo Egito, com visões místicas,
sendo muito romantizadas pelos filmes hollywoodianos, com múmias e suas maldições,
ou idealizadas com atores brancos nos papeis de faraós e outros personagens
dessa sociedade. Essa influência do Egito na sociedade ocidental está junto com
o “Orientalismo” que tanto influenciou o discurso eurocêntrico, como Edward
Said comenta:
“Por
Orientalismo quero dizer várias coisas, todas, na minha opinião,
interdependentes. A designação mais prontamente aceita para o Orientalismo é
acadêmica, e certamente o rótulo ainda têm serventia em várias instituições
acadêmicas” (SAID, 2003, p.30).
As
fotografias, os museus, os filmes contribuíram para trazer e familiarizar o
Egito e sua cultura para o mundo, essas imagens representaram bem o Egito,
mesmo longe das pessoas. Como destaca Roger Chartier (2002, p.165) o
efeito-representação do duplo sentido, de presentificação do ausente – ou do
morto- e de auto-representação instituindo o tema de olhar no afeto e no
sentido, a imagem é simultaneamente a instrumentalização da força, o meio da
potência e sua e sua fundação em poder. Um duplo sentido, uma dupla função
deste modo atribuídos à representação: tornar presente uma ausência, mas também
exibir sua própria presença enquanto imagem e assim constituir aquele que a
olha como sujeito que olha.
Assim
essas representações de imagem do Egito de certa forma trazem aquela
civilização tão distante dos nossos dias:
“Coleções
sobre o Egito em museus pelo mundo ocidental fez os artefatos dessa antiga
civilização se tornaram familiar para todos nós. Corpos mumificados, tumbas,
esculturas, inscrições hieroglíficas, e pinturas estilizadas são imediatamente
reconhecidas como sendo derivadas das terras do Nilo. Nos dias de hoje, com
comunicação instantânea, facilidade em viagens, e uma imensa tesouraria de
trabalho publicados, imagens fotográficas e descobertas arqueológicas
prontamente disponíveis, poderia se pensar que desse misterioso Egito – a terra
dos faraós onde estranhas divindades presidiam sobre a teologia de imensa
complexibilidade – se tornou menos remoto. Ainda podemos achar esses corpos
secos, os olhos encarando das máscaras pintadas, os vasos canópicos com seus
conteúdos sombrios, fascinam e espantam bastante, esperando uma chamada de
ressurreição que nunca aconteceu. As tumbas saqueadas, as poderosas pirâmides,
os templos arruinados, e a esfinge castigada pelo tempo, nos movem com suas
antiguidades, com suas auras curiosas, suas escalas gigantes e suas ninhadas
massivas de solenidade” (CURL, 2005, p.2).
Annateresa
Fabris (1998, p.29) comenta o impacto que a fotografia trouxe para a
curiosidade sobre o mundo oriental, sendo que representa a concretização de
“grande sonho coletivo”, pois os primeiros temas das fotografias exóticas se
concretam nos lugares e nos símbolos privilegiados pelas Cruzadas, ruinas
greco-romanas. Os fotógrafos assim não procuram lugares inéditos, procuram
reconhecer os lugares já existentes, como visões imaginárias, nas fantasias
inconscientes das massas, criando arquétipos- estereótipos que confirmariam uma
visão já existente e conformariam a visão das gerações. Assim podemos entender
como funciona essa justaposição da visão do europeu sobre ocidente, como
destaca Said (2003, p.34) de com modo bem constante, a estratégia do
Orientalismo depende dessa posição de superioridade flexível, que põe o
ocidental em toda uma série de possíveis relações com Oriente sem jamais lhe
tirar o relativo domínio.
Como
explica Fazzini (1988, p.35) as exposições de arte egípcia (algumas das quais
com os tesouros de Tutancâmon, suscitaram uma renovação pelo interesse no
Egito), o aumento do turismo no Egito, o aumento da educação e o maior respeito
do Ocidente pela arte não ocidental. Igual no século XIX, a arte egípcia segue
influenciando as obras de arquitetos, artistas e desenhistas, que apesar de
seus interesses por essa arte, não caem em uma imitação servil. Como destaca
Said (2003, p.31) o Oriente é uma ideia que tem uma história e uma tradição de
pensamento, um imaginário e um vocabulário que lhe deram realidade e presença
no e para o Ocidente. As duas entidades geográficas, portanto, sustentam e, em
certa medida, refletem uma a outra.
A
questão estereotipada que essas primeiras imagens trouxeram são bem vigentes em
nossa sociedade, basta olhar para o mundo egípcio, repleto de pirâmides e
sarcófagos luxuosos. Nisso criou-se essa perspectiva de o Egito ser um mundo
mórbido, um mundo onde as pessoas viviam já pensando na morte. Esse estereótipo
se fortaleceu com a quantidade de filmes e romances que saíram ao longo do
tempo sobre o Egito. De múmias e maldições que assolariam as pessoas que
abrissem as tumbas e impedissem o descanso dos faraós. Jasmine Days (2006, p.
64) fala que da descoberta da tumba de Tutancâmon e os contos de sua maldição
levaram a Egiptomania em um novo século. A mídia enriqueceu a lenda da
maldição, estabelecendo isso uma garantia de vendas de livros e jornais. Eles
rapidamente se tornaram a suprema influência sobre a percepção pública do
Antigo Egito, a tomada de controle dos acadêmicos, e o deslocamento de atenção,
das minucias das práticas arqueológicas, em relação a descobertas sensacionais
e vinganças de múmias. A dominação da mídia sobre a Egiptomania tornou-se
completa no meio do cinema. Assim exercendo uma construção da imagem do Egito
na sociedade ocidental:
“Outros
aspectos reais e imaginários da cultura do antigo Egito seguem fascinando o
Ocidente e exercendo uma influência em sua cultura. Para dizer a verdade, antes
da idade do outro e das produções cinematográficas, houveram obras teatrais,
óperas (Aida, em particular) novelas
históricas e até relatos fantásticos e de terror (os temas egípcios apareceram
no século XIX muito antes de que se difundisse pelo mundo a notícia da
“maldição” da tumba de Tutancâmon) que presentava ao público uma imagem mais ou
menos fiel da cultura egípcia. Também sua influência está presente na
publicidade e nas embalagens de diversos artigos, especialmente cigarros e
produtos de beleza. Os modernos meios de comunicação, herdeiros não só da
tradição de Hollywood, mas das obras dos séculos XVIII e XIX, perpetuam mitos
antigos e modernos sobre o Egito, como que suas origens se rematam a Atlântida,
da influência de extraterrestes ou do “poder das pirâmides” (FAZZINI, 1988, p.
35).
O
filme clássico e que depois levou e influenciou o cinema a fazer mais foi “A
Múmia” (The Mummy) de 1932, dez anos depois do descobrimento de Tutancâmon. É
um filme lançado pela Universal, dirigido por Karl Freud e estrelando Boris
Karloff. O filme conta a história do sacerdote Imhotep, que volta dos mortos
depois que um pergaminho é encontrado por um arqueólogo. O Enredo envolve
terror e romance, e no final Imhotep é destruído quando queimado o tal
pergaminho. Algumas tumbas funerárias contêm avisos, mas não chegam a ser
maldições como as mostradas nos filmes hollywoodianos. São mais textos que
evocam a ira dos deuses contra os saqueadores de tumbas, nas quais teriam os
pescoços quebrados ou pegariam doenças. Fazzini (1988, p. 35) explica que
Hollywood e seus imitadores utilizaram desde o princípio, com grau muito
variável de fidelidade histórica e artística, espetáculos baseados em temas
egípcios aptos para fascinar um vasto público. Outra influência decisiva sobre
a percepção popular justa ou errada do antigo Egito e de sua arte provem da
televisão, das histórias ilustradas norte americanas (que não somente são
feitas para as crianças). Assim podemos observar como essa imagem distorcida do
Egito, ligada fortemente com o discurso “Orientalista”, sendo assim o oriente
como uma criação do ocidente, mostrando o mundo oriental em figuras exóticas
envoltas de misticismos e incapazes. Imagens que o ocidente tira do oriente
como contraste para legitimar-se:
“O
Orientalismo, portanto, não é uma visionária fantasia europeia sobre o Oriente,
mas um corpo elaborado de teoria e prática em que, por muitas gerações, tem–se
feito um considerável investimento material. O investimento continuado criou o
Orientalismo como um sistema de conhecimento sobre o Oriente, uma rede aceita
para filtrar o Oriente no pensamento ocidental, assim como o mesmo investimento
multiplicou – na verdade, tornou verdadeiramente produtivas – as afirmações que
transitam do Orientalismo para a cultura geral” (SAID, 2003, p.33-34).
Como
destaca John Baines e Jaromik Malék (1996, p.220) a mumificação é um método de
preservar artificialmente os corpos das pessoas e animais mortos. A civilização
do antigo Egito não foi a única no mundo a ter praticado esse costume, mas as
múmias egípcias são as mais conhecidas e tendem frequentemente, para pesar dos
egiptólogos profissionais, a ser consideradas como a encarnação do próprio
Egito antigo e principal objeto de interessa para aqueles que o estudam. As
múmias podem contribuir de várias formas para o nosso conhecimento, em especial
porque fornecem informação sobre assuntos como as doenças e o estado dos
antigos egípcios e sua alimentação, etc. No caso das múmias reais, estas podem
melhorar a nossa compreensão da cronologia egípcia ao ajudarem a estabelecer a
idade de um rei na altura de sua morte; o exame das múmias permite também
descobrir relações de família. Mesmo assim as múmias não escapam do discurso
imagético estereotipado que foram atribuídas com o tempo.
É
uma questão estereotipada, pois as fotos, o cinema, as revistas, e todo o tipo
de contato imagético apenas mostram uma parcialidade da sociedade egípcia.
Eriksen (1993, p. 22) explica quando dois indivíduos se encontram pela primeira
vez, a primeira informação que eles tentam juntar do outro seria seu conjunto
étnico. Com isso estabelecido eles saberiam grosseiramente como ser comportar
com o outro. Quando se sabe um padrão étnico, pode-se saber que tipo de
comportamento ter em relação ao outro. Os membros de cada grupo têm noções
particulares dos vícios e virtudes dos outros. Assim Eriksen declara que quando
tais noções se tornam parte e parcela do “conhecimento cultural” de um grupo, e
elas se tornam regulares e uma espécie de guia nas relações, assim podemos
descrever essas características como estereótipos étnicos. Ainda seguindo a
ideia de Eriksen, o conceito de estereótipo refere-se a criação e a aplicação
consistente de noções de padronização e de distinção cultural de um grupo.
Mas
é importante destacar como a mídia absorve todas essas condições e as
transforma em subprodutos culturais:
“O
antigo Egito está sendo manipulado em ordem para criar novos significados para
velhas imagens, então esses veneráveis temas podem ser colocados para trabalhar
na cultura de hoje. Juntas as pessoas negociam significados padrões para
motivos e estabelecer a maneira de seus usos em contextos particulares.
Traçando o desenvolvimento das imagens ficcionais de múmias sobre o tempo como
elas se tornaram bastante abstratas de suas fontes, eu sugiro que problemas
sociais modernos e suas crenças, devem ter influenciado os criadores de múmias
ao retrata-las em modos particulares. Eu posso demonstrar as derivações de
múmias de seus homólogos dos imaginários no começo. Finalmente, eu posso
mostrar com seus traços manipulados foram feitas para servir causas particulares,
e como elas influenciaram não somente a aparência e a função de suas
descendentes ficcionais, mas também a reação de quem visita museus e ver múmias
reais” (DAYS, 2006, p.2-3).
Referências
Leonardo
Candido Batista, Mestre em História Social pela UEL
DAYS, Jasmine. The
Mumy´s Curse: Mummymania in the English-speaking World. London: Routledge,
2006.
ERIKSEN, T.H. Ethnicity
and Nationalism: Anthropological Perspectives. London:
Pluto Press, 1993.
FABRIS,
Annateresa. A Invenção da Fotografia: Repercussões Sociais. In: Fabris (org.). Fotografia: Uso e Funções no Século XIX.
São Paulo: Edusp, 1991.
FAZZINI
A., Richard. El Egipto de los Faraones.
El arte faraónica y la imaginación moderna. El Correo, Septiembre 1988.
GRIMAL,
Nicolas. Historia del Antiguo Egipto.
Madrid: Akal, 1996.
HARTOG,
François. Memórias de Ulisses:
Narrativas sobre a fronteira na Grécia antiga. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
REEVES, Nicholas and WILKINSON H, Richard. The Complete Valley of the Kings: Tombs and
Treasures of Egypt´s Greatest Pharaohs. London; Thames
and Hudson, 1996.
SAID
W, Edward. Orientalismo: O Oriente como
invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
VAN
DIJK, JACOBUS. El Período Amárnico y El Final del Reino Nuevo. In: Shaw (org). Historia Del Antiguo Egipto. Madrid; La
esfera de los Libros, 2007.
Olá Leonardo, parabéns pelo texto está incrivel. Você menciona que o cinema, a fotografia, as revistas, enfim, as mídias em geral acabam por dispersar um estereótipo sobre o Egito, principalmente em relação as múmias, como podemos trabalhar em sala esses tipos de documentos para a desmistificação desses estereótipos?
ResponderExcluirObrigada.
Julia Mahamut Garcia
Fico grato por você ter gostado do meu artigo, Julia! As primeiras imagens que temos do antigo Egito são essas que estão na mídia, principalmente nos filmes. Difícil encontrar uma pessoa que não tenha assistido A múmia de 1999 com Brendan Fraser e Rachel Weisz, não? Toda essa influência que recebemos está imbuída de um conteúdo Orientalista, ou seja, o oriente visto do ponto de vista do ocidente. Os alunos, tanto do fundamental quanto do médio estarão enviesados com essas ideias sobre o mundo egípcio, o que pode despertar muito a curiosidade deles em um primeiro momento, porque a romantização feita pelo Orientalismo é sedutora e exótica, e pode servir de abertura para desconstrução e uma abordagem mais crítica para esse período histórico. Eu recomendo a leitura do Said, na qual já comentei e está na referência do artigo, ele fornece ferramentas para pensarmos essa questão de analisar as sociedades da antiguidade e modernas, mas é claro que transpor essas ideias para sala de aula não é uma tarefa fácil. Infelizmente nosso ensino universitário sobre antigo Egito e Mesopotâmia é meio deficitário em relação a Grécia Clássica ou Roma, isso por razões de pensamento eurocêntrico, como esses últimos sendo os fornecedores de conceitos como democracia, república e nossas modernas instituições. O resultado disso é uma diversidade de livros didáticos muito simplórios sobre antiguidade oriental, que não dão conta de explicar a complexibilidade dessas sociedades de forma satisfatória, fora que muitos professores também não conseguem abordar o tema com certo domínio. Eu acho que esse simpósio virtual ajuda a divulgar discussões historiográficas pontuais, e seu fácil acesso pode fornecer para muitos professores e estudantes textos quem podem trazer novas problemáticas em sala de aula, se assim aplicados. As fontes são muitas, eu particularmente gosto do papiro de Hunefer, na qual mostra o mesmo em busca da imortalidade no pós-morte, tendo seu coração pesado para que esteja em equilíbrio com a Maat. Com isso podemos descontruir a imagem de um Egito mórbido e mostrar que a morte era parte dessa sociedade, sendo uma passagem alegre até o mundo dos mortos.
ExcluirAtenciosamente, Leonardo Candido Batista.
O artigo apresenta o Orientalismo, deixando clara a ideia de que não se trata apenas dos estudos sobre as civilizações orientais, mas também a forma como o Ocidente enxerga o outro, a partir das suas diferenças, empregando uma imagem mítica, totalmente preconceituosa e absoluta sobre essas civilizações, mas tudo feito com pouquíssimas comprovações históricas, ausência que fica clara na obra de Edward Said.
ResponderExcluirLeonardo C. Batista, corroborando com o apresentado, o Orientalismo se popularizou como campo de estudo a partir do século XVIII, desenvolvendo-se no século XIX. Em seu artigo somos expostos a uma crítica brilhante a mídia hollywoodiana, sendo utilizado como exemplo o filme “A Múmia” (1932), como material que alimenta o fascínio e a visão ocidental sobre o Egito Antigo. No entanto, tendo em vista a continuidade dessas produções, cito como exemplo o filme “Deuses do Egito” (2016), podemos dizer que a Egiptomania, continua validando e propagando ideologias do Orientalismo, ao apresentar, no século XXI, deuses egípcios de etnias diferentes das comprovadas em anos de estudos históricos.
Dessa forma, podemos afirmar que o Orientalismo permanece subjugando as pesquisas históricas? Se sim, como nós poderíamos atuar a fim de desmistificar essa visão eurocêntrica que perpetua por quase quatro séculos?
Muito obrigado pelo trabalho apresentado.
At.te
Caio Filipe dos Santos Negreiros
Fico grato pela leitura do texto, Caio. De fato, Hollywood e outras mídias continuam a abastecer o imaginário das pessoas com essas imagens fantásticas do antigo Egito, como muito bem você citou nesse filme mais recente. Como nos desvincularmos desse aspecto eurocêntrico sobre estudos do antigo Egito e Oriente Próximo é uma questão muito complexa, e praticamente sem uma resposta satisfatória de como começar a ter uma pesquisa nesse âmbito, até porque as metodologias que usamos para fazermos nossas pesquisas (sendo o próprio conceito de universidade em si) , são características de ideias europeias que hoje estão em toda a sociedade moderna.
ResponderExcluirO que sucede é que o Orientalismo, quando encontra o eurocentrismo, difunde a ideia de como pensamos, aqui no caso o mundo antigo. Sendo assim, o eurocentrismo influi nos estudos sobre o Egito, veja que hoje as pessoas que vivem hoje lá falam árabe, fora os inúmeros interessados nesse assunto.
Mesmo nos dias de hoje, a egiptologia continua sendo feita em língua europeia, e abordada pelas universidades e museus. Podemos dizer que a falta de interesse desses povos por sua história (muito em conta por causa do imperialismo) corroboraram para que o eurocentrismo fizesse suas ideologias sobre a história desses lugares algo natural. É característico que desde o início a egiptologia esteve sempre assegurada pelo controle anglo-francês, nas quais ditavam os orçamentos, leis, taxas das universidades, fiscalização das antiguidades e museus, assegurando o domínio eurocêntrico desde então.
Não existe uma receita que podemos tomar de pronto para desmistificarmos esses conceitos, todavia é sempre bom fazermos uma crítica mais elaborado que fuja do convencional, essas que existem nos manuais em geral, para que possamos estar cientes que essa sempre será uma perspectiva pautada em estudos feitos por universidades europeias e norte-americanas, e nós aqui no Brasil absorvemos, querendo ou não, essas influências como que por segunda intenção.
Atenciosamente, Leonardo Candido Batista.